O novo disco de Devendra Banhart tem tudo aquilo que sempre gostámos nele, mas falta-lhe intensidade. Será esse o seu problema maior, embora o músico tenha, decididamente, manifestado uma outra opção, preferido um outro caminho. Banhart baralhou-nos: onde esperávamos swing e jogo de ancas, encontrámos delicadeza e contemplação!
Já são nove, se não me falham as contas, os discos de Devendra Banhart. Falo, naturalmente, em álbuns, e é bom perceber que os primeiros nos mostravam um músico cru, impreciso nas formas e nos conceitos, refinando depois, nos trabalhos seguintes, passando a dar-nos discos mais requintados, mais sensuais, repletos de momentos de verdadeira magia e charme. Agora, com o recente Ape In Pink Marble, estamos na presença de uma mudança de rumo, embora não tanto de estilo. A ligeira inflexão de sentido que ouvimos em Ape In Pink Marble não é suficiente para não gostarmos dele. Devendra Banhart dificilmente fará um disco abaixo da mediania, mas os patamares atingidos em Cripple Crow (2005), Smokey Rolls Down Thunder Canyon (2007) e Mala (2013), por exemplo, faziam-me pensar em mais um disco desse nível. O que acontece, no meu entendimento, é que o longa duração de 2016 está um degrau abaixo dos álbuns mencionados, sobretudo por ser um trabalho que tem como base uma certa dormência melódica, que sendo bonita e apelando a uma boa dose de meditação, carece de genica, garra, tensión. Ou, dito de maneira mais direta e mais simples, a Ape In Pink Marble faltam grandes canções!
São bonitas, mas não memoráveis canções como “Middle Names”, “Mara”, “Fancy Man” ou “Fig In Leather”. Predomina, em praticamente todo o disco, uma melancolia mal aproveitada, que não se mostra singular, revigorante, com brilho próprio, afundando Ape In Pink Marble num sombrio lugar onde, mesmo assim, se pode estar com prazer, mas que nos faz, ao mesmo tempo, olhar para o relógio e desejar que o tempo passe. Até a voz trémula de Banhart, em certos momentos, soa menos bem do que é costume soar. Tudo isto me custa bastante dizer, mas não há volta a dar a um disco que me trocou as voltas, sem que desse processo tenha saído, verdadeiramente, algo de substantivo.
Poderemos sempre dizer que Devendra Banhart está mais maduro, que a sua idade como músico e como homem fê-lo proteger-se de certas imprudências e veleidades sonoras tão costumeiras até agora. Mas, sendo assim, terei de acrescentar que lhe ficavam tão bem esses predicados, que é uma pena abrir mão deles…
No entanto, e para que esta crítica ganhe o equilíbrio que até agora lhe vai faltando, é também verdade que Ape In Pink Marble, enquanto exercício de estilo, mostra um punhado de qualidades importantes. Devendra Banhart explora, nos treze temas do álbum, uma certa delicadeza lírica que não lhe conhecía tão apurada (os versos da canção de abertura, a já referida “Middle Names”, são um bom exemplo do que pretendo dizer, embora não o único), evocando solidões e vazios de alma de grande beleza. Bonita também é a homenagem a Jonathan Richman em “Jon Lends a Hand”. Outro bom momento do disco acontece com a bossa-novista “Theme For a Taiwanese Woman in Lime Green”, embora em todas as canções mencionadas lhes falte o golpe de asa das já distantes “Carmensita”, “Feels Just Like a Child”, “Santa Maria da Feira”, “Brindo” ou “Will Is My Friend”.
Talvez seja preciso ouvir o disco ainda mais vezes. Talvez. Não o dou como coisa fechada na minha cabeça, até porque gosto demasiado de Devendra Banhart para me conformar com aquilo que aqui acabei de vos deixar escrito.