O nono disco de Cesária Évora, Voz d’Amor, é repassado de dor e saudade.
Depois das experiências de Café Atlântico (1999) e São Vicente di Longe (2001), com os seus duetos V.I.P., arranjos obesos de cordas e híbridos afro-latinos, Cesária Évora descomplica em Voz d’Amor, regressando às origens. A melancolia das mornas e a malandrice das coladeiras dominam o alinhamento, como se Cesária voltasse aos bares do Mindelo da sua juventude, quando cantava pela noite adentro, em troca de um prato de cachupa e de um copo de grogue.
O amor, como o título sugere, é o tema principal do disco, as cicatrizes do coração de Cesária deixadas a nu na sua voz dolente. Mas as dores do seu canto vão mais fundas, trazendo as escaras de todo um povo, empobrecido pela seca, obrigado à violência da diáspora, rasgando o peito aos que partem e aos que ficam. Ao mesmo tempo, há calor e doçura no seu timbre magoado, entre a lânguida resignação e a centelha da esperança. E tudo sempre em modo blasé, como quem canta no banho.
Não é preciso saber uma palavra de crioulo para sentir todas estas nuances: o tom espesso do seu contralto, repassado de saudade, diz tudo. Até os americanos, com fama de brutos, conseguiram entender o disco, atribuindo-lhe um grammy. ‘Tem qualquer coisa de blues’, dirão os ‘camones’. ‘Tem qualquer coisa de fado’, diremos nós. Tem graça. Como se fôssemos todos só gente, afinal…