A expectativa é sempre grande, apesar de já ter visto por 19 vezes (se as contas não me falham, e estou mesmo convicto de que não falham) Caetano Veloso ao vivo. A solo, em companhia de algumas bandas de apoio (A Outra Banda da Terra, Banda Nova, Banda Cê), em parcerias várias, Caetano Veloso é, e sempre será para mim, o deus maior da vasta casta de deuses da música popular brasileira. Para quem costuma ler o que vou escrevendo no Altamont, isto que digo não será novidade, mas parece-me que vai valendo a pena iniciar este breve texto com esta declaração de interesses, digamos assim. Claro que o extra deste show, se acaso fosse necessária a existência de uma qualquer motivação para além do nome maior do cartaz, dava pelo nome de Teresa Cristina, parceira convidada pelo mano Caetano para mais uma apresentação em Lisboa, na sala que melhor e mais vezes o tem recebido ao longo de várias décadas, sempre que passa por cá. Refiro-me, obviamente, ao Coliseu dos Recreios.
A carioca apresentou-se acompanhada pelo extraordinário Carlinhos 7 Cordas, afinadíssimos os dois, ela na voz, ele no violão, ambos estreantes em terras lusas. A primeira parte do espetáculo pertenceu-lhes, e Teresa Cristina Canta Cartola (o nome do concerto que trouxe ao palco) foi o que prometia ser: uma bonita homenagem ao samba, ao Rio de Janeiro, às gentes brasileiras, à Estação Primeira de Mangueira, aos amores e desamores que as composições dos grandes mestres do samba sempre fazem derramar nos textos cantados. Muita dor de cotovelo, muita tristeza, mas também o avesso de ambas as coisas. Muito amor, muita alegria. A interiorização desses sentimentos está na origem do show de Teresa Cristina. Angenor de Oliveira, nome pouco conhecido do mítico compositor, cantor, poeta e violinista Cartola, é figura omnipresente em todo o espetáculo, mesmo quando uma ou outra das canções apresentadas não lhe pertençam. A primeira a ser ouvida foi “O Mundo É Um Moinho” (e tão bonito ficou o final do tema, fundindo-se com “Over The Rainbow”, de Harold Arlen, imortalizada por Judy Garland em The Wonderful Wizard of Oz), seguindo-se muitas outras, destacando-se, talvez, “Preciso Me Encontrar” e “Evite Meu Amor” (a preferida de Teresa e Carlinhos). Uma hora de grande espetáculo e emoção. Que o diga Teresa Cristina, comovidíssima, ao ponto de ir às lágrimas.
Depois chegou a vez de Caetano Veloso, e a vez do meu coração disparar. Apesar do imenso calor que se fazia sentir na sala, Caetano entrou de paletó (disse mais tarde, ao tirá-lo, ser tão bonito que teve de o trazer vestido), e foi logo dando mostras, para os mais desatentos, que sempre os há, da sua invulgar capacidade de criação de autênticos hinos, clássicos da música popular do seu país, do mundo, e também da minha própria vida. A primeira a mostrar-se com roupagem de voz e violão foi “Um Índio”, seguindo-se “Os Passistas”, “Luz do Sol”, “Meu Bem, Meu Mal” e “Esse Cara”, todas de rajada, apenas como aperitivo para o que ainda viria a cantar. Caetano, se o quisesse definir usando as suas próprias palavras, seria “Aquele que conhece o jogo, do fogo das coisas que são“, mesmo sabendo nós que “O tempo não para e no entanto ele nunca envelhece“, versos da canção “Força Estranha”, que também trouxe para o repertório do show. Está, pelo que se subentenderá do que expus, em ótima forma. Os aplausos não faltaram, e foram muitos e longos, depois de se ouvirem canções como “O Leãozinho”, “Minha Voz, Minha Vida”, “Menino do Rio” (há tanto tempo que não ouvia esta imensa canção!), “Cucurrucucú Paloma”, “Reconvexo”, “Love For Sale” (a cappella), ou “Libertação”, fado de Amália Rodrigues, que Caetano disse nunca se sentir preparado para cantar em palco. Mas cantou-a, e ainda bem que o fez. O tempo, no entanto, ainda deu para mais. Arrepios e recordações foram muitas quando o baiano trouxe à voz “London, London” (um dos temas que aprendi a amar desde os meus 13 anos), “Lua de São Jorge”, “Sozinho” e “Luz de Tieta”. Foi assim que acabou o concerto, seguindo-se dois encores, já com Carlinhos 7 Cordas e Teresa Cristina em Palco. No primeiro, duas ótimas surpresas: “Tigresa” e “Como 2 e 2”, embora “Miragem de Carnaval” e a inevitável “Desde Que o Samba É Samba” também se fizessem ouvir. Por fim, um último momento em palco para outra boa surpresa. “Odara” fechou o concerto com chave de ouro!
Depois, o fresco ameno das ruas de Lisboa, a caminho de casa. E lá fui eu feliz, mais uma vez, saboreando os momentos vividos, os tempos passados e as lembranças que ainda transportam, de tão fortes, de tão poderosas. Lá fui eu andando devagar, quase parando, quase sonhando, quase, quase…
Fotos gentilmente cedidas por Catarina Henriques