A noite prometia. Alguém da equipa dos Boogarins entrava no Musicbox com um bolo nas mãos e Dinho – o vocalista, sorridente e brincalhão – à sua frente. Íamos na maré e chegávamos a um espaço que, apesar de esgotado, ainda mal via as filas da frente preenchidas. Num ápice, a sala ficava preenchida e, 15 minutos depois da hora marcada, entravam em palco Dinho, Raphael Vaz, Ynaiã Benthroldo e Benke Ferraz.
A recepção calorosa do público lisboeta dava o mote a “Falsa Folha de Rosto”, que através de mudanças de tom e artimanhas psicadélicas inaugurava a festa. “Tempo” seguia-se, com uma introdução feita de contratempos delirantes e com as pausas e suspiros relaxados do carismático vocalista a criar empatia logo de início. A canção via a sua intensidade aumentar lentamente, crescendo atrás de crescendo, eventualmente explodindo e revelando um novo truque que os brasileiros traziam na manga: projecções indutoras de estados alterados de consciência, não bastasse já a sua prestação musical inacreditável. À medida que as mandalas coloridas davam vida às paredes negras do clube do Cais do Sodré, também em palco e na plateia a magia florescia, com “6000 Dias (Ou Mantra Dos 20 Anos)” a provocar gritos e aplausos como nunca tínhamos ouvido os Boogarins receber na capital.
Benke Ferraz, guitarrista, lembrava o público que já era a terceira vez que pisavam aquele palco, acrescentando que tocavam mais em Lisboa do que na sua terra natal. Por entre gritos do público contra Michel Temer, Benke falou também do disco novo que aí vem, que nos seria dado a provar com duas canções inéditas, a digressão ibérica anunciada como a última de apresentação de Manual ou Guia Livre da Dissolução de Sonhos. Mas entre as duas, a bateria e a guitarra certeira de “Infinu”, que nos levavam ao céu como se se tratasse do dia do juízo final. Abismado com a recepção, o guitarrista não conseguia continuar sem agradecer ao público pela sempre carinhosa recepção, tão especial por os fazer sentir em casa, estando tão longe dela.
A julgar pelas duas amostras, o terceiro disco dos Boogarins tem tudo para ser (mais) um portento. E no que tocar à banda, estará cá fora a tempo do Verão, antes do qual esperam regressar a Portugal para nos apresentar o dito álbum. Lembrámo-nos de como os tínhamos visto em Maio, aquando do Rock in Rio e do seu concerto-surpresa na FCSH – sob o nome de Alecrins -, reparámos em como os cabelos deles estavam mais longos, sorríamos com a relação que já se estabeleceu entre nós e eles, tão forte que uma língua pode ser na união entre povos.
Imediatamente antes de “San Lorenzo”, Ynaiã Benthroldo apelava ao respeito daquilo a que chamou “tradição”. É que no último concerto dos Boogarins no Musicbox, dizia, “o cheiro era tanto que chegou aqui acima”, pelo que o público teve de os incluir na partilha do cachimbo. Este ano, ainda por cima, era o aniversário de Benthroldo – estava explicado o bolo. Em menos de um minuto, já o cachimbo estava em palco e a banda aproveitava para tocar um reggae improvisado que provocou risos, assobios e aplausos. Uma paisagem sonora levava todos ao delírio, acalmando o ambiente para “Cuerdo”, onde Ferraz e Vaz tomavam conta dos microfones num dueto melancólico e belo, ondas do mar projectadas nas paredes representando a distância, a letra a invocar a saudade.
O bolo de aniversário apareceria logo a seguir, transformando o Musicbox numa sala de uma qualquer casa, numa festa de aniversário entre amigos. Cantados os parabéns, apagadas as velas, batidas as palmas devidas, “Auchma” finalizava o concerto em beleza. A aclamação era tanta que os quatro rapazes de Goiânia voltavam a palco para tocar “Lucifernandis”, numa ocasião que diziam ser especial – já que disseram nunca fazer encores. “Fora Temer!”, ouvia-se, e Ferraz respondia, concordando e pedindo a que a frase não ficasse “só na hashtag”, dizendo “fora todo o mundo” e apelando à acção de todos na criação de um mundo mais justo.
À terceira vinda dos Boogarins a Portugal no espaço de um ano, a banda brasileira deixou de ser uma promessa para passar a ser uma certeza. São sinais disso as extensas digressões pelo mundo inteiro, os concertos esgotados, os sucessivos regressos a Portugal – e esperamos agora, ansiosos, pelo novo trabalho que já gravaram nos Estados Unidos, durante o Verão.