A vida era uma tremenda festa para a Blitz. A sua primeira aventura sonora em álbum foi um estouro total, mostrando que, afinal, todo e qualquer brasileiro soube amar a banda que cantava exatamente o contrário.
Não deve ter sido nada mau ser jovem e viver no Rio de Janeiro no início dos anos 80 do século passado. Apesar do regime político ainda não ser o pretendido, a verdade é que esse início de década terá sido para muitos uma espécie de pequeno paraíso na terra. Mais do que nunca, o Redentor parecia estar mesmo de braços abertos para uma geração que começava a impor-se na música, no teatro, no cinema, na arte em geral. Vivia-se o início do chamado BRock, que a bem dizer não foi nada por aí além, embora alguns artistas e bandas se destacassem de forma clara e superlativa, tendo em conta o que se fazia na altura. O que interessava era a festa, o ambiente sedutor da farra, a pura diversão do corpo e da mente. Foram, seguramente, bons tempos para quem os viveu em pleno. Para ajudar, a cidade maravilhosa era o mais perfeito pano de fundo, e isso dava um grande empurrão à juventude que se alinhava prontamente para curtir os melhores anos de suas vidas. Sex and drugs and rock n’ roll na terra do sol e dos corpos dourados. Um autêntico festim! Serve toda esta preleção para introduzir a banda e o disco que foram responsáveis por potenciar tudo o que mencionámos nestas linhas: a Blitz e As Aventuras da Blitz 1.
Vamos aos factos. As Aventuras da Blitz 1 foi precariamente gravado e teria (quase) tudo para não resultar. Apesar disso, e um pouco por milagre, o álbum funcionou, mesmo estando repleto de canções orelhudas meio apatetadas, irónicas e sem qualquer significado ou espessura intelectual. No entanto, a Emi-Odeon deu total liberdade à banda para fazer o álbum que muito bem entendesse e o resultado foi o que conhecemos, inclusivamente por cá, ganhando alguns fãs de carteirinha, facto que espantou meio mundo, uma vez que a quota da música popular brasileira em Portugal estava mais do que tomada pelos deuses Chico, Caetano, Gil, Gal e Bethânia. Mas as coisas são o que são, e por vezes não se conseguem explicar certos fenómenos, sendo óbvio, mesmo assim, que As Aventuras da Blitz 1 apresentam alguns trunfos. As bem dispostas “De Manhã (Aventuras Submarinas)” parece órfã, embora distante, do espírito da Jovem Guarda, mas com temperos de ska. “Vítima do Amor” é rock nostálgico e descomprometido, rock boa onda, bom para uma cerveja num qualquer bar da praia. A narrativa esperta do quase country teatral de “O Romance da Universitária Otária” desperta sorrisos. Versos como “Era boa em línguas mas não sabia beijar” ou “Você está meio confusa mas fica / Mais bonita assim sem blusa”. “O Beijo da Mulher Aranha” é tão cantarolável quanto esquecível uma semana depois de ser ouvida, mas permaneceu nos ouvidos dos cariocas e de muitos mais milhões de brasileiros sedentos de novas roupagens para a música que queriam ouvir, mesmo que sem grande atenção. E o que dizer de “Você Não Soube Me Amar”, canção que levou a que o LP fosse gravado, uma vez que, enquanto single, vendeu mais do que água em pleno deserto. De tão básica, a canção de Evandro Mesquita, Ricardo Barreto, Guto e Ricardo Barreto fez-se um autêntico monstro sonoro, ouvindo-se em qualquer esquina do Brasil, desde o Oiapoque ao Chuí. Mega hit instantâneo e sucesso absoluto na juventude do país irmão.
Uma curiosidade, entre tantas outras, marcou a edição do primeiro álbum da Blitz, a banda que albergou nomes como o já referido Evandro Mesquita, mas também Lobão e Fernanda Abreu, estes dois últimos ainda em pleno desempenho artístico e musical: as suas duas últimas faixas (“Ela Quer Morar Comigo na Lua” e “Cruel, Cruel Esquizofrenético Blues”) foram manualmente censuradas e riscadas em cada um dos milhares de vinis vendidos, o que é obra e digno do mais estranho registo. No entanto, o fundamental era mesmo aumentar o som e apertar o cinto para subir, subir, como se informava no início do álbum, na faixa “Blitz Cabeluda”.
A Blitz gravou ainda mais dois álbuns de estúdio nos anos oitenta (Rádio Atividade e Blitz 3, em 83 e 84, respetivamente), mas sempre um pouco em perda, tendo em conta o tiro de partida. Línguas (2007), Eskute Blitz (2009) e Aventuras II (2016) foram tentativas de fazer render o impacto do nome da banda e do seu disco inicial. Tudo se esfumou, ficando apenas o disco de 1982 para a história do BRock. Valeu a pena, claro. Sobretudo para quem foi jovem nessa época, mesmo que de forma longínqua, do lado de cá do oceano que sempre separou os países irmãos.
Pois é,a banda inconsequente inaugurou um movimento no planalto e na planície do País.