Não me lembro bem de quantos anos tinha quando ouvi este álbum pela primeira vez, mas sendo o disco de 1991, devia ter aí uns 11 anos. Naquela altura, apesar de já ter alguns gostos próprios, a música que os meus pais ouviam era também o que eu ouvia e sem sacrifícios nenhuns. Quando se comprava um disco, era para a família toda e todos tinham voto na escolha da constante banda sonora que enchia a casa.
Este disco chegou-me assim e nunca mais me largou. Já lá vão 22 anos. E o mais engraçado – ou ridículo – é que é a banda sonora de um filme que nunca vi, mesmo ao fim deste tempo todo. Os meus pais viram e disseram que a banda sonora era bem melhor que o filme e, confiando, nunca tive pressa de ver. Só de ouvir.
Until The End of The World é a banda sonora do filme com o mesmo nome, realizado por Wim Wenders que dirigiu também as As Asas do Desejo e Paris Texas, dois clássicos dos anos 80 onde a música que os acompanha é quase tão importante como o filme em si.
Para mim, esta banda sonora será sempre uma espécie de compilação de temas novos, escolhida por um pessoa, por acaso realizador de cinema, com um extremo bom gosto. Temos Patti Smith, Elvis Costello (com uma cover de Days, dos Kinks), Talking Heads, Crime & The City Solution, Can, Jane Siberry, REM, Lou Reed, U2, Nick Cave, Depeche Mode ou Julee Cruise (com uma cover de Elvis). E pelo meio, os ambientes sonoros de Graeme Revell, compositor de coisas tão distantes como os temas originais do Corvo ou o do Rei Leão.
E depois, todas elas estão encaixadas numa sequência (quase) perfeita. São poucos os álbuns que têm um alinhamento tão fluido e se que conjuga tão bem como este. Até os instrumentais do Graeme Revell “cortam” as vozes na altura certa. E mais, são poucas as canções que não prestam – nas bandas sonoras há sempre uma ou outra que saltamos – e mais as que se destacam.
Uma delas é a “I’ll Love Till The End of The World”, do Nick Cave (sim, também entra aqui!), que foi escrita de propósito para o filme. Começa de forma seca, quase como se ele estivesse zangado, mas depois entram as cordas e as teclas e, pronto, é uma canção de amor à Nick Cave.
Há ainda a soturna “It Takes Time” da Patti Smith ou a triste, mas lindíssima, “Fretless” dos R.E.M. É mais uma balada, é verdade, mas este disco não pretendia ser alegre ou de fácil audição. A sinopse do filme conta que é passado num futurista ano de 1999 e que envolve uma mulher que está a fugir à polícia e que pelo caminho conhece um homem que está a fugir da CIA porque tem uma máquina que grava sonhos. Acho que está tudo dito.
Além disso, este álbum carrega o peso de, depois dele, alguma das bandas terem acabado, deixado de editar ou apenas caído no esquecimento. Os Crime & The City Solution, que é a banda de Mick Harvey – um dos homens de Nick Cave nos Birthday Party – escreveu “The Adversary” e acabaram de seguida. Os Talking Heads já mal existiam enquanto banda, os U2 tinham feito o último álbum de jeito – o Achtung Baby – onde incluíam o tema da banda sonora. E a Julee Cruise, que na altura tinha apenas um álbum magnífico mas que era mais reconhecida como a musa musical de David Lynch em tudo o que envolvia a Laura Palmer e o Twin Peeks.
E termino, que já vou longa, mas vá, este disco é especial. Por isso, vos digo, se não conhecem, aconselho vivamente e esqueçam que existe um filme associado a ele.