A modernidade, no que ela tem de assepsia tecnológica e artifício, é uma doença que não queremos apanhar. Daí o eterno fascínio da pop pelos revivalismos, a saudade de um passado mítico onde tudo seria mais autêntico, um passado anterior a nós próprios, . É justamente o que sucede com o grande álbum de estreia dos Zanibar Aliens, bonita declaração de amor ao rock’n’roll da velha guarda, cheio de piscadelas de olho a bandas que acabaram (ou tiveram o seu auge) muitas décadas antes destes músicos terem nascido (e que satisfação sentimos de cada vez que reconhecemos um riff dos Zep aqui, outro dos Sabbath ali, um cheirinho de Floyd, Cream, Beatles ou Santana acolá, ficando nós todos ufanos da nossa cultura musical, nem nos cabe uma pen com a discografia completa dos Blue Cheer no cu).
É essa a grande maravilha da cultura humana: a possibilidade de nos comovermos lendo poemas da Grécia Antiga com quase três milénios, ou a oportunidade de putos que nasceram no limiar do século XXI se identificarem visceralmente com aquelas mágicas espirais de velhos vinis já meio riscados, girando indolentes a trinta e três rotações por minuto, gravados ainda antes dos seus avós hippies terem concebido os seus yuppies pais (sob um luar de LSD, dizem as más línguas, que eu cá não sou de intrigas…)
Bela Vista não é só nostalgia retro, é também um disco que tresanda a vitalidade adolescente por todos os poros, essa mistura de acne, testosterona, tusa e inocência que tantas saudades deixa à minha geração (em vez de acne temos rugas, em vez de testosterona temos valium, em vez de tusa temos prozac, em vez de inocência temos desencanto). Há lá melhor traçado do que dois terços de pujança com um terço de candura, tudo bebido de um só trago, para não emperrar na garganta? Não, senhor, não há, pois nem um único grão de cinismo polui a pureza juvenil deste álbum e ainda bem: está calor, é quase verão, estamos fartos de amargura pós-moderna, morte aos gajos que escarnecem do gigantesco embuste a que chamam vida adulta, pim-pam-pum, morte a Júlio Dantas e a mim.
Os velhos do Restelo dirão: ah e tal, mas é meio pastiche, uma coisa é aludir, outra é imitar, falta a identidade em Zanibar. Deixem-se de merdas, putativos críticos da loja dos trezentos! A história da pop mais não é do que a história dos seus sucessivos furtos, pá! Não há um único génio da pop que não tenha roubado qualquer coisita no supermercado e já Oscar Wilde dizia que a originalidade é a arte de esconder bem as fontes… Ao menos os Zanibar roubam os chocolates às claras, não são hipócritas como vós sois! Tomarem vocês terem dezassete, vinte anos e tocarem já quase melhor do que o Jimmy Page. A inveja é uma coisa muito feia, é o que é…