Noir é um novo disco de Tóli César Machado. Esse facto, por si só, merece-nos todo o respeito. No entanto, Noir não é tão dark quanto gostaríamos, nem se projeta como banda sonora imprescindível das nossas vidas em 2023.
Tóli César Machado é o pequeno-grande génio por detrás de uma das mais icónicas bandas portuguesas de sempre, os GNR. O que dizemos não é novidade para ninguém, mas é sempre conveniente lembrar verdades que podem empalidecer perante a passagem dos anos e das décadas. E sem que nada o fizesse esperar, eis que regressa aos discos em nome próprio, deixando por momentos de lado o grupo que fez nascer nos idos anos 80 do século passado. Muniu-se de algumas vozes, e vestiu-as musicalmente com roupagens negras, densas, onde a tensão e a beleza andam de mãos dadas durante cerca de quarenta minutos. Ao que consta, e segundo palavras do próprio, a inspiração ter-lhe-á vindo do mundo dos filmes noir, que lhe povoam o imaginário desde há muito. Não se espere, no entanto, que este recentíssimo lote de bonitas canções pudessem caber em clássicos do género como Tirez Sur Le Pianiste, de François Truffaut, The Lady From Shanghai, de Orson Welles, ou The Big Heat, de Fritz Lang, por exemplo. Nada disso. Aqui, em Noir, há algo de muito nosso, mas também alguma latinidade de outras latitudes e hemisférios. E isso, como se percebe, não cabe nas imagens e nos imaginários dos filmes referidos. Teremos de inventar outros onde fado, tango e outros ritmos afins se relacionem com imagens que, na verdade, não existem. Esse é, ou pode ser, mais um desafio que Noir nos pode oferecer.
Comecemos pelos convidados, que são alguns. Ou melhor, pelas vozes que Tóli César Machado trouxe para adornarem as composições que o músico entendeu criar. Ela Vaz é a voz feminina que mais se destaca, entrando em funções em quatro temas, que talvez sejam os mais bonitos de todo o disco, especialmente “Calipso Amor” e “Adeus Liberdade”, esta última uma autêntica canção-hino de intervenção num mundo tão cheio de ódios, tumultos e guerras (“os homens precisam sonhar”). Quanto a “Calipso Amor”, apetece ouvi-la em repeat, imaginando um cenário onde poderiam cruzar-se dois amantes de tango já pouco sóbrios, mas ainda com vontade de sentir as pernas e os braços apertados do parceiro. “Sem Rimar No Fim” é outra bonita canção que ganha ainda mais corpo na voz de Ela Vaz. Menos conseguida, no entanto, é a que canta a meias com os murmúrios roucos de Zeca Medeiros.
Mas passemos a outras, como as de Hélder Moutinho e Valter Lobo. A voz poderosa do primeiro cabe na perfeição em “Sul”, tema-fado de fino recorte melódico e poético. Valter Lobo, por sua vez, também se ajeita elegantemente em “Quando Alguém Sabe o Que Quer”, balada que se destaca lá mais para o final do álbum. Marisa Liz canta em “Luz”, a canção mais apagada, na nossa opinião, de todo o trabalho. E no fim, no derradeiro tema, é Marcela Freitas que empresta o seu instrumento vocal a Noir, através da canção “Pele de Galinha”.
Noir é um álbum coeso, que tem o mérito de trazer para a frente um grande compositor e músico da história do nosso pop-rock, embora aqui surja irreconhecível, uma vez que os ritmos e os embalos são claramente outros. Não sendo um disco de excelência, não desmerece quem o pensou e levou a cabo. Talvez mereça mais audições, talvez exija um tempo próprio, um instante certo para que nos toque de outra forma. Tem os seus momentos, a sua riqueza, mas não é, como gostaríamos que fosse, um instant classic. E não o é porque Tóli César Machado não quis que fosse, uma vez que talento nunca lhe faltou, nem lhe falta. O caminho que Noir trilha é de outra linhagem e tem outros propósitos, que merecem ser conhecidos. Avance sem receios. Pode ser que Noir venha a combinar consigo.