O rock sereno dos Beach Fossils está de volta e apresenta-se em muito boa forma (musical e temática).
Há qualquer coisa na pop a que a música não consegue ficar indiferente. Seja o calor morno de verão, ou talvez as notas leves e frescas da irreverência juvenil, acompanhadas pela força indestrutível dos sonhos mais profundos.
Após um hiato de seis anos no lançamento de originais, com nascimentos de filhos à mistura e tempo para pensar (e sentir) as fragilidades da responsabilidade, Dustin Payseur e os restantes elementos que compõem o quarteto nova-iorquino, fecharam mais um ciclo com o seu quarto álbum de estúdio.
Bunny é uma equilibrada mescla dos estilos presentes na música dos Beach Fossils. O surf, a cidade, a sombra de um dia de sol e a melancolia do final de umas férias inolvidáveis. “I don’t know what to say, I´m trying to get myself together”- assim começa o disco com o tema “Sleeping On My Own”, um exercício de auto-suficiência implícita. Guitarras redondas, cheias de pop, apontadas de imediato para a direcção da melancolia. Logo a seguir o enamoramento inflamado de “Run To The Moon” para depois entrarmos no enorme single deste álbum. E justiça seja feita. “Don’t Fade Away” é um autêntico rebuçado para os sentidos. Uma deliciosa degustação que se vai desfazendo entre o palato e o coração. Bunny fica invariavelmente marcado pela magnificência desta faixa. Um hit penetrante que assenta que nem uma luva de veludo. Pelo caminho cruzamo-nos com o existencialista “Anything is Anything”, de cariz shoegaze, recheado de reverb e coros very british. “Dare Me”, o segundo single do disco, volta a aquecer os ânimos para rapidamente entrarmos em levitação dream pop com “Feel So High”. A partir deste momento, os nossos sentidos estão apurados o suficiente para irmos até “Waterfall” em cruzeiro, e acabarmos a escuta do álbum de coração palpitante e peito cheio de inspiração.
Em Bunny o que perdemos em lo-fi garage do homónimo debute de 2010, ganhamos em luminosidade cristalina sobejamente enfatizada em “The Other Side Of Life”. De parte fica também a electricidade mais crua bastante patente em “Clash The Truth”. Se no penúltimo álbum lançado em 2017 a banda tendeu a rumar mais para o universo acústico, com recurso a instrumentos como o violino, flauta transversal, piano e mesmo o saxofone, em Bunny esses vestígios são reaproveitados numa perspectiva mais pop. Este disco aproxima-se bastante do romantismo britânico, soando por vezes a temas de Stone Roses ou reinterpretações de faixas inéditas de Lloyd Cole and the Commotions. As guitarras de Dustin Payseur e Tommy Davidson expiram uma inocência que raramente se assiste em bandas não anglo-saxónicas.
Os Beach Fossils fazem parte daquele filão de bandas cujo nome está associado ao conceito de praia (e o seu imaginário correspondente). Todas as memórias que gravitam em torno da experiência litoral, sobretudo as do verão, constituem parte capital do acervo de recordações de cada um de nós. Bandas como The Beach Boys, Beach House ou Beach Vacation, apenas para evocar alguns nomes, padecem do mesmo estigma. E fazem-no de forma declarada. Sem preconceitos. No caso dos Beach Fossils, o facto de serem oriundos de Brooklyn, uma zona relativamente próxima de praias vincadamente urbanas, atribui-lhes, porventura, uma combinação heterogénea entre a melancolia anónima e o passeio morno à beira mar.
Bunny resulta num disco conceptual sobre decisões cruciais, se vale ou não a pena perseguir incondicionalmente as nossas maiores ambições, ou se, pelo contrário, o melhor é ficarmos presos à inconsciência apática da adolescência perpétua, numa espécie de declínio controlado. As guitarras límpidas e cheias de reverberação ajudam a banda espelhar uma sensação de desejo melancólico, capaz de deixar espaço suficiente para as letras ecoarem nas melodias suaves. Um álbum que figurou nos dez melhores de 2023 na minha lista pessoal. A conferir.