Bonitos, elegantes e melancólicos. Os Placebo de 2017 não diferem muito, na essência, dos da estreia, em 1996, ou da primeira epifania no Coliseu de Lisboa, em 2001. De lá para cá, a vida aconteceu-lhes, e a nós também. Sobraram as canções, a emotividade e este rock que nos rasga a pele.
Esta foi a banda da adolescência de muitos de nós que andamos agora na casa dos 30 e algo. Entre a estreia, em 1996, e Black Market Music, terceiro disco, editado em 2000, os Placebo foram infalíveis: começaram por fazer um rock certeiro e direto, curto e rasgadinho, encantaram-nos quando ao cocktail juntaram elegância pop e alusões glam, começaram a desiludir-nos quando cresceram – mas se calhar o problema estava em nós, que também crescemos.
Without You I’m Nothing, em 1998, mudou vidas. Disco amplo, que navegava entre o rock efervescente e a ambiguidade sexual e textual, é ainda hoje o momento da discografia dos Placebo mais celebrado pelos fãs de sempre. Não foi esquecido na noite de terça-feira, em Lisboa, quando à mais nobre sala da capital portuguesa Brian Molko e Stefan Olsdal (“o Rei da Suécia”, assim o definiu Molko) trouxeram uma banda em ponto de rebuçado e celebraram os 20 anos sobre Placebo, o disco, e as mais de duas décadas de vida artística em conjunto.
Antes disso, e porque a memória o exige, urge recordar o encontro com o grupo em 2001 também no Coliseu: apresentava-se Black Market Music, terceiro de originais, naquele que foi o primeiro dos agora vários espetáculos em nome próprio da banda em Portugal – antes haviam estado, por exemplo, em duas edições do Festival Sudoeste e na primeira parte de um espetáculo dos U2 em Alvalade, em 1997. Para aqueles, como este que vos escreve, que transitavam da mocidade para a vida adulta, foi um momento de revelação, um avistamento na linha da frente de ídolos e o transportar do quarto para o Coliseu de sentimentos, do carpir afetivo, das mágoas da – dramatizada em excesso, a idade o veio a revelar – existência.
De lá para cá, a história dá-nos mais meia dúzia de álbuns e mais um punhado de atuações em Portugal, umas mais felizes que outras (ninguém esquece uma terrível noite no pouco saudoso festival Creamfields). Agora, em 2017, os Placebo – Molko, Olsdal, e mais quatro músicos que acompanham na linha da frente, e com grande profissionalismo, o bromance de ambos – celebram a sua vida e obra. E fizeram-no, e bem, em Gondomar e em Lisboa.
Primeira surpresa? A lotação esgotada já há semanas e o ambiente de noite para a história. A surpresa reside não na eventual falta de tarimba ou qualidade dos Placebo, muito longe disso – antes no reconfortante prazer que dá ver que num mundo melómano feito de imediatismos e fogachos, há ainda espaço para boas bandas de história feita e escrita e sem necessidade de nada provarem a ninguém. Os Placebo foram, durante largos anos, uma banda aparentemente distante dos holofotes da espuma dos dias e da popularidade descartável: nunca deixaram de andar por aí e, outra surpresa!, recrutaram novos fãs para a causa, malta se calhar menos próxima dos discos do arranque mas dedicada e apaixonada pelas cantigas mais recentes.
Os Placebo tocaram em Lisboa um alinhamento que agradou a gregos e troianos: “I Know”, “Nancy Boy” ou “Lady of the Flowers” devolveu-nos a 1996, “Jesus’ Son” ao presente, houve uma sentida homenagem a David Bowie – que apareceu no ecrã, ao lado de Molko – em “Without You I’m Nothing”, houve segmentos introspetivos e mais densos (“Twenty Years”, “Protect Me From What I Want”, por exemplo), e houve uma grande festa com os temas mais rápidos.
Foram quase duas horas e meia que fecharam com “Running Up That Hill”, a célebre versão de Kate Bush, e não faltaram os Placebo mais políticos: houve apontamentos em tom de crítica a Donald Trump (ainda nos recordamos como dantes o alvo era…George W. Bush; Obama safou-se dos ataques) e Olsdal, o Placebo que melhor envelheceu, apresentou-se em palco no primeiro encore com um baixo com as cores ligadas à celebração da comunidade LGBT.
Brian Molko envelheceu, mas continua a cantar nas horas – está mais preguiçoso na guitarra, mas não faz mal. A banda que acompanha o duo é magnífica, o ambiente no Coliseu lisboeta foi especial, e muitos terão vivido na terça-feira a epifania que outros (onde o escriba se inclui) presenciaram em 2001. Para os demais, terá sido um estupendo concerto de música rock, bem tocada, mais rápida ou menos, mas sempre delicada e sagaz no entrecruzar de porrada com melancolia. E tudo isto é bom e merece ser celebrado. Os Placebo continuam a fazer-nos sonhar. Venham mais 20 anos.
Fotografia: Luís Flôres