Gravado em 72 horas, entre três estúdios londrinos, com mais imaginação que equipamento e sem grande disponibilidade para cedências comerciais, quando Hendrix perguntou “Are You Experienced” o mundo reagiu.
Não. Ninguém tinha. Ninguém sabia. Não havia quem o pudesse prever. Nas tabelas britânicas o disco ficou-se pelo segundo lugar, nas norte-americanas nem ao pódio chegou, mas hoje é visto como obra-prima, um marco, no rock psicadélico, nos blues, no rock. Na história.
À boleia de Chas Chandler (antigo baixista dos Animals), Hendrix aterrou em Londres a 23 de Setembro de 1966, fugido dos preconceitos norte-americanos, incapazes de aceitar um negro a tocar rock, incapazes de dar espaço a um blues mais pesado e mais rápido que o tradicional. Em Londres, a cor da pele serviu de chamariz, valeu-lhe a primeira alcunha – O Selvagem do Borneo – e de certificado de autenticidade para o que Clapton, Beck, Page ou Richards sonhavam ser, guitarrista de blues. E a guitarra notou-se logo após a primeira passagem em palco. Ainda perfeitamente desconhecido, escassos dias depois de ter aterrado na capital britânica, pediu para subir ao palco de Deus, até esse momento, o pedestal em que vivia Clapton. Ligado ao amplificador do baixo, dispara “Killing Floor”, original de Howlin’ Wolf. Instantaneamente tornou-se na estrela do underground londrino e a lenda reza que Clapton fugiu do palco, que Jack Bruce foi para casa compor o riff de Sunshine of Your Love, que houve quem chorasse.
Sem disco para promover, foi nos intervalos dos concertos, entre Outubro de 66 e Abril de 67, que Hendrix, Noel Redding e Mitch Michell gravaram o que viria a ser Are You Experienced. Em estúdio mandava a estrela e, fosse qual fosse o pedido, era sempre feita a Sua vontade. Quando pedia para incluir solos gravados ao contrário, vozes de fundo, sons alienígenas, percussão extra ou, simplesmente, mais uma guitarra, em estúdio tudo virava. A Noel Redding, guitarrista convertido em baixista para acompanhar a Experience, entregava instruções e nem para a bateria de Mitch Michell, à época entre os melhores músicos de jazz britânicos, deixava qualquer espaço de improvisação. Para dúvidas hierárquicas também nunca existira espaço. A música, o estúdio, o palco, o estrelato, tudo de Hendrix e se apareciam ao seu lado o motivo era só um, estavam entre os poucos músicos capazes de o acompanhar.
Para pagar as 16 sessões de estúdio, Chandler investiu o dinheiro que tinha e o que não tinha. Acumulou dívidas, arriscou entregar gravações como garantia. No final todo o risco compensaria ou não estivessem em Are You Experienced alguns dos momentos de maior genialidade do Hendrix então com apenas 23 anos.
Inspirada numa trip de ácidos, “Purple Haze” deixa em vinil a certeza de que a guitarra que se apresentava pouco ou nada tinha a ver com as outras. Depois há “Manic Depression”, em que Mitchell brilha nos contratempos, e “Hey Joe”, um blues enfeitado com discretos coros, tão tranquilo quanto violento. Ainda há “The Wind Cries Mary”, a balada, “Fire”, a que serviu de ignição à famosa guitarra incendiada, “Foxey Lady”, uma genial declaração de intenções pouco católicas, e “Third Stone from the Sun”, uma homenagem à ficção científica de que tanto gostava. Mas em Are You Experienced, ainda há “Red House”, tema que seria suficiente para colocar Hendrix no altar dos blues.
Dizia-se fã de Dylan, de Muddy Waters e de Mozart; de pintar e de ler histórias sobre os seus verdadeiros conterrâneos, os extra-terrestres; dizia fazer música de igreja, eléctrica, psicadélica, anunciava os blues “fáceis de tocar, mas difíceis de sentir”. E deixou quase tudo por cumprir. Nunca chegou a aproveitar a vontade de Brian Jones em lhe produzir um disco e da amizade com Miles Davis não deixou qualquer gravação.
Três anos depois de Are You Experienced, com apenas 27 anos, Hendrix morria em Londres, de overdose. Davis foi ao funeral, mas recusou-se a tocar. Não pelo feitio irrascível ou pela igualmente célebre aversão a cerimónias fúnebres, mas antes por “não ter nada a acrescentar” à música do homem da Stratocaster mais conhecida da história.