Grateful Dead não foi a estreia mais auspiciosa (e nem convenceu a própria banda) mas foi o início de uma das viagens mais loucas e únicas da história da música americana.
Não se sabe, exactamente, quando é que começaram a cair. Quase quatro décadas não trouxeram certezas (ainda no final dos anos 70? já nos 80?) e entre os novos deadheads, descentes dos míticos fãs da banda que percorriam os Estados Unidos da América para os ver (movidos mais a paz, amor, erva e talvez a “little bit of acid” do que a gasóleo ou gasolina), ninguém encontra consenso.
A única certeza? Que tudo começou aqui, aliás alguns anos antes, numa loja de discos em São Francisco, onde um tal de Jerry Garcia (de quem Dylan disse um dia ser ter sido capaz de preencher os buracos e avanços que vão desde a muito antiga família Carter até Buddy Holly e Ornette Coleman – e isto “sem ser membro de escola nenhuma”) dava aulas de guitarra e banjo…
Quando em 1967 editaram o primeiro álbum, os Grateful Dead tinham já atrás de si um nome, The Warlocks, caído por terra, e muita experiência de palco (eles que sempre foram “muito mais” em palco que em estúdio: algumas vezes muito mais brilhantes, outras muito mais embaraçosos – culpe-se as drogas, nesses anos 60 o LSD, mais tarde a cocaína; a falta de ensaios, o espírito livre dos seus elementos, o terem a música como obsessão e não profissão…).
Obrigados a deslocarem-se aos estúdios da editora RCA, em Los Angeles, para as gravações (que duraram quatro dias e que não puderam ser na Meca hippie São Francisco, por falta de equipamento adequado nos estúdios que ali existiam – sim, ainda todos nos lembramos do magnífico sistema de som que eles inventaram), os cinco Grateful Dead fundadores (o génio Jerry Garcia, o melódico Bob Weir – um álbum a solo editado no ano passado, Blue Mountain, é esclarecedor -, o virtuoso Phil Lesh, o multi-funções e ideólogo Rob McKernan – que morreria seis anos depois, aos 27, de cirrose… – e o baterista Bill Kreutzmann) dedicaram-se ao trabalho, com a ajuda do produtor David Hassinger, que já tinha metido as mãos – com sucesso – no hoje icónico Surrealistic Pillow dos Jefferson Airplane – tal como aliás Garcia o havia feito, contribuindo na instrumentação e sugerindo o nome para o disco.
O resultado das sessões? Entre originais e versões, rock psicadélico curioso e singular, bem-disposto e dançável, que lhes granjeou ainda mais sucesso em São Francisco – mas muito distante, ainda, da identidade sonora que viria a tornar a banda célebre (e que começaria a ouvir-se – aqui sim, há algum consenso – no seguinte Anthem of the Sun, de 1968, o primeiro após a entrada de um segundo baterista, Mickey Hart, e depois definitivamente em Aoxomoxoa, editado no ano seguinte) e que colocaria a dançar milhões de crânios e esqueletos humanos (os símbolos da banda, paradoxalmente macabros para a tonalidade bamboleante e groovy da música, ainda que esta piscasse aqui e ali o olho ao além – oiça-se “Friend of the Devil”, magnífica canção do igualmente magnífico American Beauty, editado em 1970…).
Só em “Viola Lee Blues”, faixa de dez minutos que encerra este álbum de estreia, se ouve um exemplar das longas viagens sonoras (feitas de liberdade, improviso e, nesta altura, ainda sem a “little bit of acid” – Bob Weir diria mais tarde que, não sabe exactamente porquê, ainda achavam que seria “pouco produtivo” tocar drogados…) que tornariam a banda gigante. Louvem-se os teclados, a bela e interventiva viagem psicadélica “Cream Puff War”, mas reconheça-se que o melhor ainda estava para vir, que o resultado nem a banda convenceu por inteiro (as autobiografias viriam pôr tudo em pratos limpos).
Era ainda a falta de experiência, a pouca segurança que os fazia pôr tanto do som nas mãos do produtor – mas tudo mudaria muito em breve, a ponto de mesmo os mais críticos (e havia-os aos milhares, com razões para isso, dados os tremendos altos e baixos que se seguiriam, sobretudo a partir dos anos 80…) terem poucas dificuldades em reconhecer que, na história da música americana, aliás, caramba, na história da música, os Grateful Dead terão de estar no panteão, que ainda hoje inspiram grupos atrás de grupos e que deixaram marcas em múltiplos géneros, do country à folk, do rock psicadélico ao bluegrass, do blues eléctrico ao jazz (ainda que, é certo, não usassem muitas cordas..).
Banda sem líder oficial, mas com uma figura mítica cuja importância cimeira ninguém contestará (e que gravou com tanta gente, dos Jefferson Airplane a David Crosby, Stephen Stills, Neil Young, Graham Nash, Art Garfunkel, Tom Fogerty e Ornette Coleman) – falamos, claro, de Jerry Garcia – os Grateful Dead foram algumas vezes piada (“O que dizem os deadheads quando o efeito da droga se desvanece? Esta música é uma merda…”), ocasionalmente brilhantes, difíceis de classificar – mas o legado mítico, que a recente e gigante compilação de homenagem Day of the Dead bem atesta e que até nos trabalhos a solos dos seus membros se reconhece (oiça-se o excelente Ace, de Bob Weir; as Perro Sessions de Garcia com Crosby; os discos do projecto New Rider of the Purple Sage, e tanto mais), não deixa margem para dúvidas: grupo emergente do Verão do Amor, como tantos outros, tornar-se-iam, como poucos, grupo cimeiro da música americana. Não é pouco. A viagem prosseguiria, tão louca e frenética quanto já se adivinhava…