Em 1976, Joni Mitchell estava em fuga. De um namorado, da fama, do seu universo sonoro e da vida. Um ano antes fez parte da trupe da Rolling Thunder Revue de Bob Dylan e conduziu pelas estradas americanas durante semanas. Pelo caminho encontrou um novo som e um novo rumo para a sua música.
Depois de The Hissing of Summer Lawns ter sido mal recebido pelos fãs, Mitchell não se acanhou e embrenhou-se ainda mais num som inspirado pelo jazz e com canções mais livres das amarras pop verso-refrão-verso-refrão-outro/ponte-refrão. E para isto muito contribuiu o seu encontro com um dos espíritos livres mais importantes do jazz nos últimos 50 anos: o baixista Jaco Pastorius. Os dois criaram aquele que é o disco de excelência do folk-jazz, mesmo que o génio dos Weather Report só surja em quatro dos nove temas.
Hejira é uma corruptela da palavra árabe “hijra” que significa “êxodo”. Ao longo dos nove temas, Mitchell está em constante fuga. Foge do Don Juan de “Coyote” (“Now he’s got a woman at home/ He’s got another woman down the hall/ He seems to want me anyway”)
“Amelia” é uma sumptuosa balada na qual Joni Mitchell evoca a aviadora Amelia Earhart, com a base instrumental a ser elevada por linhas de vibrafone. É um dos momentos mais brilhantes de Mitchell enquanto escritora de canções, empregando metáforas e descrições de uma enorme sensibilidade poética, ao mesmo tempo que emprega uma sequência de acordes sublime nas suas pequenas subtilezas (análise de acordes cortesia de Rick Beato).
Já “Song for Sharon” é uma canção sem amarras: dez versos sobre um dia em Nova Iorque e sem refrão. Joni canta a letra, grava os coros e cria mais uma obra-prima para o seu cancioneiro.
Mas nem todos os momentos são perfeitos, apesar de não haver qualquer tema que possa ser considerado mau ou medíocre. Por exemplo, a harmónica tocada por Neil Young em “Furry Sings the Blues” é dispensável e “Black Crow” parece deslocada no restante alinhamento do disco (apesar de ser uma excelente canção).
“Blue Motel Room” vê Mitchell lançar-se num tema que pode quase ser considerado lounge jazz (um sub-género meio desinteressante) e que é tocado com enorme mestria, com uma produção que recria perfeitamente o ambiente noturno de um “bar-de-jazz-esconso-e-com-fumo-por-todo-o-lado”. Mas mesmo assim a canção fica alguns furos abaixo dos melhores temas deste álbum.
Por fim, não podemos deixar de ressalvar que uma das particularidades mais importantes de Hejira é o som conseguido em estúdio. Oiça-se a faixa título e a forma como as guitarras – todas as partes foram gravadas por Mitchell – parecem dançar em torno da linha de baixo hipnotizante de Jaco Pastorius. Max Bennett contribui igualmente com linhas de baixo magníficas, principalmente em “Furry Sings the Blues”. A produção do álbum é um passo de magia, invocando a atmosfera do disco In a Silent Way de Miles Davis, com espaço para todos os elementos, sejam eles sonoros ou silenciosos.
Em 1976, Joni Mitchell estava em fuga. De um namorado, da fama, do seu universo sonoro e da vida. Um ano antes fez parte da trupe da Rolling Thunder Revue de Bob Dylan e conduziu pelas estradas americanas durante semanas. Pelo caminho encontrou um novo som e um novo rumo para a sua música.