Quatro discos em dois anos é motivo para um visível cansaço. Neste álbum os Beatles voltam a fazer versões, começam a escrever temas mais sérios e dão passos para dominar o ambiente do estúdio.
Ao quarto disco estamos no auge da “Beatlemania”. Depois de terem feito o seu primeiro filme, o quarto álbum da banda de Liverpool encontra John, Paul, George e Ringo cansados. Logo pela capa, uma fotografia de Robert Freeman onde figuram os quatro Beatles com um ar anti-estrelas. Têm expressões sérias e parecem precisar de algum descanso da tanta confusão que os tornou uma marca à venda. Na altura, especialmente por ter seguido o animado A Hard Day’s Night, o cinismo parece ter passado ao lado. Como contou George Martin, “eles estavam bastante exaustos durante Beatles For Sale. Temos de recordar que eles foram espancados como loucos em 64 e uma grande parte de 63. O sucesso é uma coisa maravilhosa mas é muito, muito cansativa.”
O álbum arranca com “No Reply”, uma canção de Lennon que marca o tom geral do disco. Nesta fase da carreira, a dupla de John e Paul era completamente colaborativa nas composições e faziam por escrever uma canção por dia, contou McCartney, mas os temas começam a ser menos alegres e a caminho de algo diferente, com Lennon a começar a interessar-se por temas mais autobiográficos. A banda conheceu Bob Dylan nesse ano e não é por isso de estranhar o toque mais folk em composições como “I’m a Loser”.
A fórmula do disco é que é diferente e regride aos trabalhos anteriores a Hard Days Night, com oito canções originais e seis versões de canções que McCartney descreveu como sendo parte do set dos concertos do tempo do Cavern Club. A opção deste alinhamento foi sobretudo porque a dupla de Lennon-McCartney não conseguiu terminar canções suficientes para encher todo o disco. Para pormos as coisas em perspectiva, este é o quarto disco em dois anos (!) que os Beatles lançaram. Neil Aspinall, road manager da banda e depois presidente da Apple Corps. explicou o tipo de agenda que a banda tinha. Logo depois de terem feito uma tour dos EUA em Setembro, começaram a gravar este disco ao mesmo tempo que fizeram uma tour no Reino Unido, terminaram o álbum em cinco semanas e o álbum estava pronto para sair no Natal.
Este Beatles For Sale já deixa antever uma maior confiança no estúdio, com a banda a participar activamente pela primeira vez nas misturas. Harrison explicou que os Beatles já tinham vários sucessos e estavam mais relaxados e confortáveis no estúdio, a começar a experimentar com sobreposições (overdubbing) e cada vez mais interessados em explorar processos de gravação e mistura. As gravações ficaram espalhadas de Agosto a Outubro de 1964.
O maior sucesso deste disco foi “Eight Days a Week”, expressão que um taxista usou quando levava McCartney a casa de Lennon para uma sessão de composição. É notável por ser também a primeira canção pop com um fade-in. “I Follow The Sun” é, curiosamente, uma canção mais antiga, escrita por McCartney quando tinha 16 anos, que não tinha sido considerada suficientemente boa para entrar em álbuns anteriores. O produtor George Martin afirmou ser a sua canção preferida do disco mas nota-se logo aqui a necessidade por mais composições originais. “What You’re Doing” pode já ser vista como uma precursora às experiências sónicas que os Beatles fariam uns anos mais tarde, com várias técnicas a serem utilizadas na mistura.
Nas várias versões vale a pena destacar “Mr. Moonlight”, uma canção obscura que Lennon gostava e o medley “Kansas City/Hey, Hey,Hey” com um enérgico McCartney a tomar conta das vozes. A última faixa é “Everybody’s Trying To Be My Baby” com Harrison nas vozes. Mais uma vez, na altura o cinismo passou ao lado do que pode ser hoje visto como uma visão de dentro da “Beatlemania”.
Beatles For Sale tirou A Hard Day’s Night do número um das tabelas de vendas e quebrou o recorde de vendas do disco anterior. Ainda assim, tendo em conta toda a discografia da banda de Liverpool, este não deixa de ser um álbum menos bem conseguido e fruto das pressões da editora. Como estamos a falar de Beatles, mesmo um pequeno passo é um passo do tamanho de várias bandas normais. A influência do folk de Dylan e mudança para temas mais sérios justifica por si só a audição.