Help! é um álbum com uma crise de identidade que acompanha o amadurecimento da banda e que prepara o palco para a revolução que seriam os álbuns dos Beatles nos anos seguintes.
Em 1965 a máquina bem oleada da Beatlemania avançava a todo o vapor, produzindo, a um ritmo constante, singles e LPs avidamente consumidos por adolescentes aos gritos. No auge da sua fama, os quatro bem comportados rapazes de Liverpool desempenhavam o seu papel de forma exemplar, aparecendo sempre impecavelmente penteados e vestidos e cumprindo as exaustivas rotinas que lhes eram exigidas, de tours de promoção de ambos os lados do atlântico e de sessões de estúdio, entrecortadas por ocasionais gravações de filmes. Foi precisamente assim que começaram o ano, a gravar o segundo filme realizado por Richard Lester, Help!, sucessor de A Hard Day’s Night, que, devido ao orçamento mais generoso, os levou aos Alpes Suíços e às Bahamas. O novo filme serviu de desculpa para o novo disco com o mesmo nome e assim, em agosto desse ano, saiu Help!, o quinto álbum dos Beatles, produzido por George Martin, como não podia deixar de ser.
Help! tem no lado A, as sete canções originais incluídas no filme homónimo e no lado B outras 5 canções originais e duas covers. É um disco de altos e baixos (que são apenas altos menos marcados): por um lado, contém algumas das mais memoráveis canções dos Beatles, todas presenças obrigatórias em qualquer best of que se preze; por outro está também repleto de canções que, sendo bem-dispostas e orelhudas, cada uma um claro exemplo da perfeição pop que Lennon e McCartney atingiam sem grande esforço, não fogem o suficiente à norma pré-estabelecida por discos passados para se destacarem ou surpreenderem, como as primeiras conseguem. Ainda assim, merecem uma análise cuidada. Mas vamos por partes.
Começando pela banda sonora do filme, o disco abre com John Lennon a fazer um pedido de ajuda inadvertido, ou não, ao som do ritmo incansável de uma guitarra acústica e de uma pandeireta, enquanto Paul e George se encarregam das harmonias que, ainda hoje, não conseguimos resistir a entoar sempre que ouvimos alguém gritar “help”. É uma introdução extremamente adequada para o álbum, não só porque se inclui no grupo de canções imortais mencioandas, quase parte do cancioneiro pop, se tal coisa existir, mas também porque denota de forma exímia o estado de espírito da banda na altura da produção do disco. Tendo ascendido em tão pouco tempo ao estatuto de estrelas internacionais e estando reféns de intensas rotinas que não deixavam grande espaço para desenvolvimento artístico, os Beatles, e sobretudo John Lennon, encontravam-se desencantados e desiludidos com a sua actividade. “Help!” é assim uma canção honesta e mostra um certo amadurecimento na escrita de letras, que ganham uma dimensão quase autobiográfica, já que John parece cantar de forma sentida os versos “And now my life has changed in oh so many ways, My independence seems to vanish in the haze”.
Continuando no lado A, as duas contribuições de Paul McCartney para o filme são rápidas, simples e eficazes. Discorrendo ambas sobre raparigas e arrufos de namorados, são capazes de nos deixar o refrão na cabeça, mas não muito mais do que isso. Em “The Night Before” ouvimos os colegas John e George a entoar o título da canção em jeito de resposta a Paul e em “Another Girl” parece que é a guitarra elétrica que quer responder com riffs que fazem cócegas nos ouvidos.
São de John Lennon duas das mais interessantes faixas deste lado. Primeiro temos “You’ve Got To Hide Your Love Away”, onde John surge a tentar ser Bob Dylan, que os Beatles terão conhecido em 64, e a fazer um ótimo trabalho. A homenagem ao herói folk é perfeita, desde a forma de tocar a guitarra acústica à colocação da voz, ficando a faltar uma harmónica que seria a cereja no topo do bolo. Esta é outra das felizes singularidades que este álbum contém e demonstra uma nova profundidade pouco comum, com um poema que soa mais franco e menos genérico do que alguns dos outros que encontramos em Help!. A outra contribuição de Lennon é o single “Ticket To Ride”, que, choque, fala despreocupadamente de uma relação não matrimonial. Instrumentalmente, soa fresca e diferente, tendo sido até apontada por John como a primeira incursão por música mais pesada que inspirou o heavy metal. Exageros à parte, com o seu icónico padrão de percussão, é, com certeza, outra das que todos sabemos trautear.
Das canções feitas para o filme importa ainda mencionar “You’re Going To Lose That Girl”, em que voltamos às raparigas e aos desamores indefinidos pela voz de John e de coros que entoam o refrão de forma bem disposta, guiados por uns incomuns bongos, e “I Need You”, que marca o regresso de George Harrison à escrita juntamente com “You Like Me Too Much”, algo que não se tinha verificado nos últimos dois discos, em que o estranho som da guitarra de George surge em primeiro plano. Graças a um pedal de volume, primeira utilização conhecida de tal artifício, a guitarra está quase desfasada do resto, enquanto George nos fala de saudade. Tanto “I Need You” como “You Like Me Too Much”, que encontramos mais tarde, no lado B, são bonitas canções que procuram o seu devido espaço no meio da pop Lennon-McCartneyiana.
Viremos então o disco. O lado B abre com “Act Naturally”, cover bem-disposta da canção de Johnny Russell e Voni Morrison. Nesta, Ringo Starr exibe bem as suas habilidades vocais enquanto nos conta a narrativa trágico-cómica ao som de uma melodia country que torna irresistível um gingar de anca. De seguida temos “It’s Only Love”, canção curta de John Lennon, e “Tell Me What You See”, cantada a duas vozes por John e Paul, ambas interlúdios delico-doces que são facilmente ofuscados pelas canções que fecham o álbum.
“I’ve Just Seen A Face” de Paul McCartney é uma apaixonada balada country que se destaca pelo som acústico e pelo tempo apressado e irresistível que parece ter pressa de chegar ao fim. O refrão é simples e serve para exibir mais uma vez as bonitas harmonias que os Beatles tão facilmente produziam. Muito diferente, mas não menos interessante, é “Yesterday”, uma das canções com mais versões da história da música pop, que é também umas mais marcantes de Paul McCartney. De uma simplicidade distintiva e quase perfeita, dispensando alguns dos artifícios a que Help! nos habituou, “Yesterday” é a voz frágil e melancólica de Paul, a guitarra acústica e um quarteto de cordas, este último uma novidade que dá à canção uma nova e ainda pouco explorada dimensão. Deixando a melancolia para trás, o disco termina em tom feliz e otimista com uma cover de “Dizzy Miss Lizzy” de Larry Williams em que John Lennon regressa aos seus tempos de jovem rocker. É fácil imaginar a poupa à Elvis a ressurgir enquanto a canção dura. E não dura muito. Ao fim de uns fugazes 33 minutos chegamos ao fim do primeiro dos dois discos que os Beatles haveriam de lançar em 1965.
Help! não é um álbum consensual. Sendo uma espécie de enclave entre os tempos da boyband vestida de igual, fábrica de singles descomplicados e orelhudos, e os anos de enorme crescimento artístico, iniciados com Rubber Soul, que nos deram alguns dos mais influentes álbuns da história da música, Help! tem um pouco das duas eras. Talvez por isso mesmo encontremos canções tão diferentes, algumas que se encaixariam sem dar nas vistas em álbuns anteriores e outras que revelam o início de uma exploração de novos territórios musicais. O que por um lado parece confusão e uma certa desorientação musical, é também potencial para transição, um começar a abrir caminho para produções mais sofisticadas e letras com mais significado, tudo elementos que viriam a desenvolver em trabalhos seguintes.
As canções de Help! foram das últimas a ser tocadas ao vivo antes da banda se retirar dos palcos e dedicar toda a sua energia a fazer música. Help! é uma espécie de aquecimento para esta fase mais prolífera, e mostra que os elementos estavam todos lá, bem alinhados, e prontos para serem desenvolvidos. Apesar de não ser tão seminal como alguns dos discos seguintes, tem canções incontornáveis e ouve-se tão bem hoje como em 1965, não fossem os fab four mestres em escrever melodias que atravessam gerações e entusiasmam avós e netos em igual medida.