O segundo disco de St Germain, Tourist, cruza o house e o jazz com elegância e bom gosto.
O produtor francês Ludovic Navarre é mais conhecido por St Germain, e, de facto, foi uma espécie de santo para a electrónica francesa, abrindo – com o seminal Boulevard, de ’95 – o caminho para todos os que vieram a seguir: Daft Punk, Air e demais gauleses gourmet. St Germain nem sequer é french touch – quer lá saber dos filtros ou do namoro com o disco – mas não interessa: foi ele que colocou a França no mapa musical, antes era só croissants e baguetes.
É certo que Boulevard não inventou a roda – a fusão entre o house e o jazz já andava no ar; St Germain tornou, porém, esse diálogo mais fluido e espontâneo, subindo a fasquia do jogo. Ainda assim, a obra-prima só chegaria cinco anos mais tarde com Tourist, baseado na mesma premissa, é certo, mas com um tempero bem mais apurado.
Tourist vai buscar ao house as batidas “quatro no chão”, programadas em computador, e os samples vocais quentes e viciosos: I want you to get together, put your hands together one time, exorta Marlena Shaw em “Rose Rouge”, e nós, hipnotizados, obedecemos.
Do jazz provém a instrumentação orgânica, tocada ao vivo pela crème de la crème da cena parisiense – um saxofone e uma trompete aqui, uma flauta e uma guitarra ali, umas teclas e um vibrafone acolá -, cada um improvisando com uma contenção e uma elegância invejáveis.
A costura entre o maquinal e o humano é tão escorreita que nós nunca sabemos muito bem de onde vem cada textura, se de um artificioso sample, se de um genuíno instrumento. É talvez esse o seu grande legado: diluir as fronteiras entre o orgânico e o artificial, formando um ciborgue em quase tudo igual a nós.
As batidas de Tourist nunca tomam banho no mesmo rio, alternando entre o house, o dub e o hip-hop, e revezando entre o ímpeto dançável e o langor lounge, evitando assim que o tédio da rotina se instale. O que garante então um fio condutor ao disco são os solos jazzísticos, sempre refinados e omnipresentes.
Tourist foi um sucesso comercial, vendendo quatro milhões de cópias pelo mundo, democratizando o house e o chill out. Na entrada para o novo milénio não havia bar hipster que não pusesse o disco a rodar. Os puristas nunca perdoaram a insídia mas a tentação era demasiado irresistível: Tourist transborda de sofisticação cosmopolita, o equivalente musical a um dry martini. Para nós, que nunca soubemos onde pousar o raio do guardanapo, ouvir Tourist dava-nos a ilusão de um glamour impossível. Suburbanos de todo o mundo, uni-vos…