Reality Show é mais um enorme disco de Sr. Chinarro. Com ele, está garantido um encanto similar a muitos dos seus outros discos históricos. Ao décimo oitavo álbum, o músico sevilhano parece melhor do que nunca!
Antonio Luque é um amigo de longa data, e muito cá de casa. Mais conhecido através do alter ego Sr. Chinarro, o sevilhano acaba de lançar o seu mais recente longa duração. Como sempre acontece com os discos chinarros, Reality Show – o título do novo trabalho – é um retrato irónico do mundo em que vivemos, entre tantas outras coisas. Traz algumas novidades, mas também carrega consigo marcas de fácil reconhecimento da sua já longa história pós El Fuego Amigo (2005). Mais um ótimo álbum, neste caso o seu décimo oitavo. Sr. Chinarro não falha!
Vamos por partes. A maioridade atingida em termos de números de discos lançados é coisa digna de registo, e a nossa primeira nota vai nesse honroso sentido. É obra, convenhamos. Uma vida já de quase trinta anos de gravações, se tivermos em conta o seu primeiro ep, Pequeño Circo, de 1993. Depois, convém recordar que Sr. Chinarro mantém intactos os prazeres e as capacidades de fazer boa música, assim como de escrever belos textos para as suas canções, como facilmente se prova em mais um novo lote de dez, as que constam em Reality Show. São mesmo muito boas, todas coesas e sem grandes oscilações de ritmo, desta vez sem espanholadas à maneira de “Sábanas Santas” ou “Todo Acerca del Cariño”, ambas gingonas e fantásticas. Reality Show é mais roqueiro, mais duro, frontal e, ao mesmo tempo, também delicado, a espaços.
“Sexo, Mar y Sol” foi o primeiro single lançado, no já distante mês de junho. Seguiram-se “Cobarde” e “El Detector”, este último já quase no final de setembro. É verdade que são três canções fortes, embora a primeira não a possamos incluir nas melhores do álbum. E foi, curiosamente, a primeira aposta de adelanto de Reality Show. Já quanto os sintetizadores de “Cobarde”, há que dizer que são mágicos e desconcertantes, não esquecendo a voz feminina do coro (Georgina Wolkowicz), em contraste com a de Antonio Luque. Excelente, assim como “El Detector”, que mereceria ser um hit retumbante! Os versos, bonitos e evocadores de pessoas e de tempos e de canções antigas que ainda fazem parte de nós, mereceriam ser cantados por muitos: “Las canciones de un tiempo que queda atrás / Como el tiempo de estar contigo/ Un anillo, un éxito nacional /
Una noche de estar contigo”! No entanto, e embora tudo vá mudando à medida que vamos ouvindo Reality Show em repeat, “Rosa”, Luis” e “Margarita” parecem ser (por agora) as que mais nos deixam de sorrisos abertos, muito satisfeitos com o que ouvimos, e ainda com a certeza de termos em Sr. Chinarro um valor mais do que seguro. Como dizíamos há pouco, nunca falha o bom sevilhano, e o seu fuego amigo continua a incendiar-nos as entranhas sonoras do nosso contentamento. A letra de “Rosa”, por exemplo, dava uma pequena curta metragem. Nela há mulheres com asma, amantes, mães, filhas, uma com Alzheimer, mulheres divorciadas, uma outra ainda com síndrome de Asperger, um caos absoluto! E, sobretudo, um particular telemóvel, essa poderosa e perigosa máquina infernal dos nossos dias… Que tratado! Já em “Luis” (que canção soberba!), a narrativa é outra. Mas o que importa é a música, o balanço da música (“mi corpo no pide salsa, ni modas que pasan”), e tudo se faz à boa maneira chinarra, com acordes e guitarras de exceção. “Margarita”, o tema que encerra o disco, é outro enorme triunfo. Mais baladeira, embora sem o ser de facto, sonhadora, perfeita para terminar Reality Show, leva-nos a voltar ao principio, à primeira das dez canções.
De notar uma pequena curiosidade, algo pouco comum nos discos e nas canções de Sr. Chinarro: o facto de este LP estar repleto de pessoas, de referências a pessoas, de personagens principais e secundárias, e sem presença de animais, como quase sempre acontece nos temas de Sr. Chinarro, o que talvez vá ao encontro do título Reality Show, justificando-se assim esse grande elenco de figuras humanas. Com os sons festivos de “La Audiencia Decide”, apetece bailar e cantar a plenos pulmões, sobretudo de cerveja na mão num qualquer concerto entre gente amiga. Soa a sol por todos os poros, é festiva mas sombria ao mesmo tempo e soa mesmo muito bem! Em “Falsos Autómatos” conhecemos mais uma personagem de Reality Show (Nuria), uma mulher que “vende en internet / fotos con muy poca ropa”, enquanto o seu noivo tenta compor “canciones como las que estan de moda”. Pois, a vida é dura e todos sabemos o quanto custa vivê-la. Enfim, Reality Show é mesmo mais um belo triunfo de Antonio Sr. Chinarro Luque!
Umas últimas e breves linhas para sublinhar mais uma ou outra ideia. Se começámos por referir que este novo longa duração de Sr. Chinarro apresenta um novo lote de canções bastante coesas, a verdade é que a nova banda que o acompanha merece óbvio destaque. A saber: Dani Vega (guitarra), Miquel Sospedra (baixo), Xavi Molero (bateria) e Josep Vilagut (guitarras). Um luxo! Finalmente, reforçar apenas a ideia de que o histórico Sr. Chinarro segue fazendo o seu caminho como poucos. Fiel ao seu próprio estilo, Sr. Chinarro merecerá sempre a nossa admiração. Em Espanha, não são muitos aqueles que fazem música sem recurso às estridências e aos descaminhos da moda mais corriqueira e vulgar. Os que escapam, no entanto, estão ainda longe do lastro que os dezoito álbuns de Sr. Chinarro testemunham: o melhor da música indie é neles que mora.