Lusofonia

Capitão “Syd” Fausto || Lux

É costume dizer-se que os Pink Floyd apenas se tornaram no que são hoje em dia com a partida do seu membro fundador, Roger “Syd” Barrett. O génio de Syd durou pouco mas enquanto brilhou provocou sensações que poucos podem sequer pensar em chegar perto, quanto mais igualar. Também é verdade que os Pink Floyd com Gilmour a bordo tornaram-se um monstro sagrado que cresceu de uma maneira que ninguém estava à espera, especialmente após The Dark Side Of The Moon. A guitarra mágica e etérea de David Gilmour não tem par e surge quase como uma segunda voz, por vezes, com características quase celestiais. No entanto, nem Gilmour, nem Roger Waters, nem génios perturbados como Roky Erickson dos 13th Floor Elevators, chegaram a ter aquela coisa tão especial que Syd tinha. Syd era uma eterna criança que vivia no seu próprio mundo. Um mundo influenciado, não só mas também, por outras mentes como Lewis Carroll ou Tolkien, cheio de imaginários infantis mas com representações adultas, quase como o equivalente ao adulto Robin Williams em Hook ao finalmente descobrir que o seu lugar era na Terra do Nunca. Syd nunca quis largar esse mundo e a sua saída de cena da música, exilando-se na sua velha Cambridge, era sinal disso. O mundo tinha mudado, não mais Syd era o líder dos Pink Floyd, nada mais ali fazia sentido. E a doença…

O que era realmente diferente na música dos Pink Floyd na era Syd era a complexidade na simplicidade. O seu jeito simples, mas não simplista, de criar melodias e ao mesmo tempo mexer nas estruturas das músicas e métricas das letras que à primeira vista parecem simples mas são mais complicadas do que parecem. É inegável que David Gilmour é, tecnicamente, muito superior a Syd, no entanto o que Barrett criou, durante os Pink Floyd e a solo, foram composições que ainda hoje resistem ao teste do tempo e continuam tão frescas e intrigantes como o eram antes, seja na fase experimental de Floyd, seja na fase mais acústica de The Madcap Laughs.

Por isso tudo este não seria um teste fácil para os Capitão Fausto, de quem dizem que foram buscar inspiração aos Tame Impala. Esquecem-se os detractores é que antes de haver Tame Impala, houve Pink Floyd e que no início de Pink Floyd houve Syd Barrett, esse mesmo que a banda arriscou em homenagear, saindo da sua zona de conforto (cantar em inglês covers de outros, especialmente da personagem em questão). A prova era arriscada mas os incríveis Capitão Fausto, como lhes chamou Tiago Castro um dia, eram os que melhor estariam preparados para a superar. E fizeram-no. Com bravura e mestria.

Mas antes de nos atirarmos à actuação de Capitão Fausto, uma palavra acerca dos Cave Story que abriram as hostilidades no Lux em mais uma festa Black Balloon, organizada pelo radialista Pedro Ramos, da Radar. Às 23 em ponto (vá, um ou dois minutos depois) a banda sensação das Caldas da Rainha começou a descongelar o ambiente que ainda estava meio mortiço. Os Cave Story vieram apresentar o seu EP de estreia, Spider Tracks, e o seu rock a abrir, num power trio de fazer inveja a muito conjunto anglo-saxónico, começou a despertar a atenção dos mais incautos que ainda não conhecem a banda. Bem influenciados por Pavement, Sonic Youth ou ainda dos mais recentes Parquet Courts, os Cave Story vieram mostrar que têm qualidade para estas andanças e que um EP já começa a ser curto para a qualidade apresentada.

Pouco após o set dos Cave Story, que durou cerca de 30 minutos, entraram os Capitão Fausto e a expectativa era alta. Já antes tivemos provas complicadas em festas Black Balloon. Julie and The Carjackers a tocar Revolver, You Can’t Win Charlie Brown e The Velvet Underground & Nico, Minta & The Brooktrout e Pet Sounds dos Beach Boys e, mais recentemente, Walter Benjamin a atirar-se a The Queen Is Dead dos Smiths. No entanto, este era, provavelmente o desafio mais exigente e o tempo para ensaios não foi assim tão grande e, tal como foi dito, as músicas de Syd são bem mais complicadas do que parecem. Se dúvidas houvessem ficaram logo dissipadas na primeira música com “Arnold Layne”. Potente, bem decalcada do original mas com um toque “Fausto” e bem cantada. Tomás Wallenstein preparou-se bem e até o sotaque bem brit de Syd foi bem conseguido. Engraçado foi ver, nesta e em outras músicas, os outros elementos da banda a fazerem um tipo de coros que não é normal nas músicas dos discos de Fausto. E resultou.

Seguiu-se “Apples And Oranges”, música mais desconhecida de Pink Floyd e já da era final de Syd nos Pink Floyd, para entrar logo “Lucifer Sam” elevando ainda mais a fasquia. Um dos pontos altos da noite.

“Matilda Mother” trouxe a primeira viagem psicadélica com os Fausto a saírem-se muito bem em águas já por eles navegadas, especialmente em Pesar o Sol.

Seguiram-se mais uns bons momentos de Piper At The Gates of Dawn com “Pow R. Toc. H.”, “Scarecrow” e “Jugband Blues” de A Saucerful of Secrets culminando em “Octopus”, a primeira música a solo de Syd Barrett tocada neste concerto. O público já estava ganho quando se começaram a ouvir os primeiros riffs de “Interstellar Overdrive”. Aí deu-se o fenómeno “moche em concertos de Capitão Fausto”. Dê por onde der, vai haver sempre esta “zaragata” e parece que o público já o sabe. Habitual é também o stage diving de Wallenstein. Ontem não seria excepção.

Para acalmar as hostes seguiu “Terrapin”, onde Tomás e Manuel Palha deram um mini show a dois numa das mais belas músicas que o “crazy diamond” escreveu, tal como “Dominoes” que também entraria neste setlist, logo a seguir à grande “See Emily Play”.

Houve tempo para um encore de duas músicas: A frenética e insana “Take Up Thy Stethoscope and Walk”, canção escrita por Roger Waters, a sua primeira na história dos Pink Floyd e que os Capitão Fausto souberam transportar na perfeição para a noite do Lux.

A fechar “Bike”, música pueril de Syd que, segundo a banda, foi uma das mais complicadas de ensaiar e aprender. Pelo resultado de ontem não se notou dificuldade nenhuma, sentindo-se apenas a falta de “Astronomy Domine”.

O melhor que podemos dizer deste concerto é utilizar uma expressão que era utilizada num jogo de programa televisivo espanhol: Prova Superada! Agora é esperar pelo terceiro disco de originais da banda que está em preparação e, porque não, ouvir algumas destas versões noutros concertos, embora os Capitão Fausto neguem que o façam. Pelo que ouvimos ontem, estão totalmente capacitados para o voltar a fazer.

Fotografia: Hugo Amaral

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