
Austin, Liverpool, Cartaxo, Lisboa. O revivalismo em força do psicadelismo parece moda de há dois anos, mas as sequelas do terramoto que invadiu a indústria da música nos últimos anos ainda nos continuam a chegar. Novas bandas, novos festivais, parece que o neo-psicadelismo veio pra ficar.
Depois de várias cidades pelo mundo fora, também a capital lusitana recebeu o seu já merecido festival psicadélico. O local de onde a nave descolou foi o Teatro do Bairro, no Bairro Alto. Às 22h da noite do dia 10 de Abril, os discípulos de Huxley e Timothy Leary faziam fila para ver, no primeiro dia, Tess Parks, Pauw, Thelightshines, Black Market Karma e Keep Razors Sharp.
A comemoração da nova vaga psicadélica, como a organização lhe chamou, começava com Tess Parks, canadiana sedutora de guitarra na mão, acompanhada do namorado noutra guitarra. Por entre agradecimentos e sorrisos melosos, Parks tocava baladas que derretiam o coração do público, encantado com a simpatia de quem estava em palco – que frequentemente encorajava toda a gente a pagar um copo ao parceiro. No final, aplausos e pedidos de encore não faltaram, acabando Tess Parks por cantar uma canção improvisada e unplugged.
De seguida entravam em palco os Pauw, estrelas da noite e do festival. Os holandeses, que desde início esclareceram que o seu nome não tinha o significado que em português poderia ter (em holandês, “pauw” significa pavão), entraram com outro fulgor, com confiança e energia que veio contrariar a moleza de Tess Parks. Nem precisávamos de ver o resto para saber que seria a banda da noite, com um crepitar de guitarras e percussão que fizeram estremecer as paredes, uma bateria assassina e um domínio do improviso e de pontes entre canções como pouco se viu no resto do festival. As conversas entre baixo e guitarra eram entusiasmantes e as piscadelas ao prog e aos Pink Floyd de pompeia valeram-lhes alguns dos maiores aplausos do festival.
Thelightshines entrariam a seguir, com a tarefa difícil de dar sequência à portentosa actuação anterior. Com uma sonoridade aproximada aos King Gizzard mas com as vozes vestidas de Oasis, os londrinos fizeram uma mistura de pop, rock e blues com pó psicadélico por cima. Guitarras ágeis e coros à britpop fizeram um concerto pouco inventivo e variado, mas que entreteve, com um final bastante apoteótico, inesperado para uma banda tão mansa.
Antes dos portugueses Keep Razors Sharp fecharem os concertos, tocavam os Black Market Karma. Vindos de terras de sua majestade, trouxeram-nos um psicadelismo expansivo, atrevido e bem-disposto, com um vocalista que dava ares de guia de uma trip algures em São Francisco, nos idos de 1967.
Os concertos do primeiro dia terminavam então com Keep Razors Sharp, que cumpriram na execução daquilo que já nos têm mostrado. Afonso, Rai, Carlos e Bráulio não temeram a bagagem que o festival já levava e entregaram com garra o seu rock psicadélico ora mais doce ora mais pesado e lisérgico. A festa continuaria com os DJs do programa Floresta Encantada, da Radar.
Ao segundo dia, por entre um ou outro problema técnico, o destaque foi para: a garra dos portugueses Basset Hounds, que abriram o festival prometendo muita jarda e pouca conversa; a emoção e a viagem do power trio que são os Desert Mountain Tribe, que embrenharam toda a gente num mar de reverberação e distorção, bem ao estilo dos Sleepy Sun; a densidade sombria dos portuenses dreamweapon, que dum modo menos explosivo alcançaram o mesmo resultado que os Desert Mountain Tribe. Pelo meio, tivemos também os My Expansive Awareness, que de Espanha nos trouxeram teclados de Doors e coros de Velvet Underground, soltando o público com a sua presença e empatia bem latina.
Por fim, antes dos DJ sets de Nick Allport (promotor do festival Reverence Valada) e A Boy Named Sue (das festas Kaleidoscope), ouvimos The Vacant Lots, um duo que infelizmente não era o da lua mas que, apesar dos estalidos que as colunas iam dando, não tiveram dificuldade em deixar marca nos espectadores e ouvintes do festival com a sua presença tímida mas irreverente. Certamente uma das bandas mais esperadas do festival, os americanos mostraram-nos a estética mais diferente e definida do festival – através das batidas e pratadas maquinais saídas de uma caixa de apetrechos do faz-tudo Brian MacFadyen e das guitarras bem dominadas e fuzzadas de Jared Artaud.
Fotos: Sofia Mascate