Os Protomartyr, banda americana residente em Detroit, lançou em Abril Under Color of Official Right, um dos interessantes discos deste ano e o segundo da banda, após o inaugural No Passion All Technique, de 2013. E, depois desse promissor, mas ainda pouco maduro disco (que nem estava planeado ser feito), a confirmação veio agora. Se não são a revelação do rock americano deste ano, talvez seja apenas por existirem uns senhores chamados Parquet Courts.
Os Parquet Courts não são citados por acaso: além do seu destaque no panorama rock norte-americano deste ano, o guitarrista e vocalista Andrew Savage chegou a tocar na cave do baixista dos Protomartyr, Scott Davidson, com uma banda que tinha há vários anos (os Teenage Cool Kids). Também esta curiosidade não seria referida, caso a ponte entre as duas bandas fosse apenas qualitativa; ela é feita porque, além de serem duas bandas emergentes nos EUA, têm também algumas semelhanças de estilo. Também os Protomartyr fazem um rock abrasivo, cru e sujo (com uma intensidade mais alta, é verdade). E, também para eles, em certa medida (mas talvez não tanto), o rótulo de banda post-punk (ou garage rock, igualmente) soa curto. Aliás, o próprio guitarrista dos Protomartyr, Greg Ahee, até assumiu recentemente não gostar particularmente da música punk.
Este Under Color of Official Right, que discorre sobre temas como a violência (eles, vivendo em Detroit, lidam regularmente com ela no dia-a-dia – embora a considerem uma versão um pouco sensacionalista da cidade que habitam), como as relações pessoais e familiares e como a vingança sobre os outros, é um disco de 34 minutos com 14 canções. Isto dá, em média, canções a rondar os dois minutos e 40 segundos. Existem apenas duas que ultrapassam os três minutos: a inaugural «Maidenhead» e «Come and see». Curiosamente, duas das melhores canções do álbum.
O primeiro ponto alto do disco é a já referida «Maidenhead», trazendo-nos um belíssimo e límpido (mas sombrio) momento de guitarra, silenciado apenas pela voz de Joe Casey, com uma pausa para que se oiça bem o timbre. A sua voz surge grave, típica de um barítono como ele («She goes up / She goes down»): e surge a primeira associação com, por exemplo, o registo profundo e grave de Ian Curtis, dos Joy Division. A canção prolonga-se até explodir, com os versos desafiantes de Casey a ecoar sobre o instrumental abrasivo (estes tipos de Detroit, que dormem nos sofás dos habitantes das cidades onde tocam, são mesmo duros, ainda que só o façam pela pouco romântica razão de não terem dinheiro para gastar em hotéis).
Segue-se «Ain’t So Simple», outra grande malha deste disco. É uma canção sombria, com um instrumental algo hipnótico que nos faz pela primeira vez recordar os já citados Parquet Courts (com várias diferenças, é claro). E voltamos a recordar a influência dos Joy Division, agora também no som de guitarra. A soturnidade e distância desta banda a encontrar a contemporaneidade directa ao assunto dos Parquet Courts, portanto. Belíssimo tema.
Continuamos a audição com canções interessantes («Want Remover», “Trust Me Billy» e «Pagans» – sobretudo a primeira), mas é na sexta canção, com «What the Wall Said», que voltamos a ter um grande momento: canção capaz de oscilar entre uma acalmia melancólica e instrumentais sujos e ruidosos, tudo sem se perder.
Segue-se «Tarpeian Rock», «Bad Advice», «Son of Dis» e «Scum, Rise!», outro ponto alto: canção que começa tensa e nervosa, até fantasmagórica, e que se vai tornando suja, ruidosa e com nervo. É um canção sobre a vingança feita pelos filhos cujos pais não prestam: talvez seja moralista, sim, mas as guitarras são muito boas e alinham com a voz de Casey no sentimento de emergência desses filhos (que culmina num «There’s nothing you can do» repetido várias vezes, com agressividade crescente, como feito vingativo finalmente alcançado). Ouvimos a certa altura várias vozes dizendo coisas distintas, num ruído que nos impõe uma espécie de revolta colectiva.
O álbum encerra então com «I Stare at Floors», canção obsessiva, contínua; «Come & See», canção inicialmente pouco barulhenta, falsamente tranquilizante (com Casey a cantar «Come and see / The good in everything»), sobre a qual repentinamente se abatem guitarras, baixos e baterias furiosas; «Violent», canção menos explosiva; e «I’ll Take That Applause», talvez menos marcadamente personalizada, eventualmente até menos conseguida.
Os Protomartyr, com este Under Color of Official Right, lançam um disco tenso e abrasivo, neurótico e explosivo. Se tinham más energias para libertar, deixaram-nas todas, é certo, na gravação. Não com expressões depressivas emo, ou com o sentido poético dos Decemberists (de quem Joe Casey não é grande fã, já que para ele as «bandas literárias» são «um bocado insuportáveis»), mas com uma crueza, uma intensidade e uma profundidade devastadoras. Under Color of Official Right é um murro no estômago. Mais: se Casey e os amigos sentem que «não se podem levar tão a sério», caso contrário trazem-nos uma xaropada melancólico-idealista, quem gosta de música abrasiva (seja punk ou garage) deve por sua vez levá-los muitíssimo a sério.