Falar sobre Luke Haines dirá pouco a muita gente. Mesmo se ao nome referido juntarmos mais alguns, como The Servants, The Auteurs, Baader Meinhof (a banda, não o bando de terroristas que tanto sangue fez derramar na Alemanha durante quase três décadas do século passado) ou Black Box Recorder, tudo ficará praticamente na mesma. É a vida, e pouco ou nada há a fazer… No entanto, ele move-se há mais de 25 anos, e de que maneira! Para os meus ouvidos, Luke Haines tem o toque de Midas. Não há um único disco dele, a solo ou com banda, que me deixe indiferente. E são já alguns, note-se. Mas, na verdade, e para mal dos seus pecados, Luke Haines nunca atingiu o estrelato que poderia ter alcançado. Compositor, músico, intérprete e escritor, o grande Haines está de volta, o que é coisa digna de registo e de júbilo. O disco, saído em maio deste ano, dá pelo nome de New York In The ’70s e fecha uma trilogia psicadélica, iniciada em British Wrestling From 1970s and Early ’80s, de 2011, e continuada com Rock and Roll Animals, de 2013. Todos conceptuais, estes três trabalhos de Luke Haines merecem audição atenta, pelo que agora vos passo a dar nota das impressões (profundas e inesperadas) que New York In The ’70s tem deixado em mim. Os outros ficarão para uma melhor oportunidade.
Comecei a ouvir música de forma mais continuada e séria no inicio dos anos 80. O que me chegava aos ouvidos com mais frequência vinha de Nova Iorque, da Bowery, e por isso desde cedo me tornei frequentador de bandas e artistas como os Blondie, Ramones, Television, Alan Vega e os seus Suicide, Iggy Pop, Lou Reed e muitos outros nomes que firmaram carreira nos anos 70 e a prolongaram, na maior parte dos casos, pelas décadas seguintes. O mítico CBGB & OMFUG fez, obviamente, parte do meu imaginário. Através da música que lá se tocava, tentava desenhar na minha cabeça os contornos daquele ambiente, os cheiros, os universos marginais de seringas e outras estridências. E, por isso, agora que ouço New York In The 70’s de forma extasiada, sinto que recuei no tempo. É Luke Haines o responsável por tamanha felicidade, é ele o narrador voluntário desse regresso a um imaginário onde fui feliz. Portanto, para mim, este disco não tem preço, e não me custa pensar que andará comigo nos próximos meses, anos, bem perto do coração e da memória que permanece à flor da pele. Como se não bastasse, este New York In The ’70s parece um disco que Lou Reed não teve tempo de fazer, uma vez que a morte é surda e estupidamente cega. Além de ser uma homenagem ao espírito criativo daquele específico tempo e daquele específico local, o trabalho de Haines é claramente uma homenagem merecidíssima a Reed, um dos grandes poetas da cidade norte-americana. É tão assim que uma das canções do LP tem como título «Lou Reed Lou Reed», espécie de mantra evocativo do autor de «Perfect Day». Nesse sentido, este é um perfect record, uma vez que fideliza uma época importante e histórica para o rock. Mais ainda: a letra da música em questão pouco mais avança para além da repetição do nome do falecido músico, mitificando-o, como que dizendo não haver mais a referir para além do nome Lou Reed, que em si mesmo já diz tudo. No entanto, ao longo do disco podemos ouvir muitas outras evocações (desde Debbie Harry até Jim Carroll, passando por Hilly Kristal, New York Dolls, Dee Dee e Johnny Ramone, Richard Hell e ainda algumas outras New York stars.
Por tudo isto, e uma vez que o texto já vai em tamanho suficiente para não se alongar muito mais, não posso fazer outra coisa a não ser recomendar a audição da mais recente obra de Luke Haines que, sendo inglês, evoca neste disco a América que há em todos os que, como eu, a viveram naqueles longínquos anos, tendo deixado por lá alguns bons pedaços de alma que agora podem recuperar. «Mythic, Motherfuckin’ Rock n’ Roll!»