Ritmos maquinais dançáveis, hinos orelhudos em cordas MIDI, spoken word e uma atitude punk e melancólica. Onde é que já ouvimos isto?
New wave, post punk, art punk, tudo géneros popularizados nos 70s e 80s que, volvidos quatro décadas, já se tornaram parte dos nossos clichés sonoros. O que ouvimos na música dos Conferência Inferno não nos é estranho, nem é dotada de combinações inovadoras. Mas como um bom bife, para um carnívoro insensível como eu, é sempre bem-vindo um prato repetido bem feito. E diretamente do coração cultural do Porto, terra de Ban e GNR, os Conferência Inferno lançaram o Ata Saturna, o seu disco de estreia, pela editora Lovers & Lollypops.
Apuradas no forno várias dezenas de concertos depois, algumas das canções que ouvimos na estreia da banda de Francisco Lima (voz), Raul Mendiratta (sintetizadores) e José Silva (teclas) têm estado em rotação no circuito portuense, do Maus Hábitos ao Passos Manuel. Começaram a tocar ao vivo em 2019: primeiro lançaram o EP Bazar Esotérico no quarto, depois deram vida às canções (e à banda) ao vivo. Nem a pandemia os parou. Em 2021, lançam o primeiro longa-duração.
Regressando à metáfora do bife, Ata Saturna é um bife mal passado: é só para os paladares mais primitivos, apurados à repetição post-punk – nomenclatura assumida pela banda, nem que seja pelo tag usado no Bandcamp. Tem, como um bom bife mal passado, os nutrientes mais concentrados: de forma repetitiva, a voz de Ian Curtis com sotaque do Norte (és tu Reininho?) vai declamando afirmações urbano-depressivas, literariamente quase romântico, por cima de uma caixa de ritmos, baixo sintetizado industrial e, claro, uma linha de cordas. Isto é fazer punk com três instrumentos, nenhum deles uma guitarra.
Não mencionei o frontman dos Joy Division por acaso. Nas rimas em “ir” que cospe, por exemplo, Francisco Lima encontrou a cadência de Ian Curtis – como em “Ausente”: “Já estou farto de insistir, persistir”. Além das imagens agressivas das suas letras: “Cravos de abril num balcão de um bar”, em “Sina”; “Fodemos à pressa, a ritmo alucinante/Padecemos de morte e gerimos o medo/Numa rua torta pintada de merda”, em “Amanhã”; ou “Tenho cartas por abrir/Desprovidas de emoção”, em “Ausente”.
Numa época em que veneramos revivalismos bem feitos, uns com psicadelismos de Alvalade vestidos com blazer e gola alta coloridos, outros com neo soul em batidas lo fi, não nos esqueçamos destes rapazes.