Reportagens

Primavera Sound 2023 Porto – Dia 2: mais uma serenata à chuva, na noite em que todos os caminhos foram dar a Rosalía

O dia dois do Primavera Sound voltou a meter água. Muita. A música, como sempre, foi o que nos salvou. De Fumo Ninja a Rosalía, houve de tudo um pouco.

Por pouco não chegávamos de bote ao Parque da Cidade. Tememos pela realização da segunda data, de que aqui se faz texto. O cartaz do dia 8 era grande, ao contrário do que na véspera aconteceu. Havia de fazer escolhas, e metemos na cabeça ver apenas o que para nós valeria mesmo a pena.

E por falar em pena, ela quase não chegou a tempo para redigir algumas ideias sobre os portugueses Fumo Ninja, que abriam o palco nobre do recinto. Mesmo assim, deu para mexer pernas e ancas ao som fresco da banda liderada por Leonor Arnaut (voz e maquinarias variadas) e por Norberto Lobo. Dá para perceber que se divertem naquilo que fazem, mesmo que por vezes pareçam ser algo inusitados nos temas e melodias, ou que não se levam muito a sério (mas levam, claro), sendo, como cantam, “o rei desta merda toda”. E nós, militantes republicanos, até os coroamos como muito dignos representantes da nova música portuguesa.

PRIMAVERA SOUND PORTO 2023
_ © Hugo Lima | hugolima.com | http://www.fb.me/hugolimaphotography | instagram.com/hugolimaphoto

Assim que os Fumo Ninja saíram de palco, mais chuva sobre os vassalos que os ouviam. Eram ainda alguns. Daí que fomos forçados a tomar uma decisão: ou morríamos afogados em água e lama em maratonas de palcos e mais palcos, ou apostaríamos apenas em portos seguros. Como se perceberá, a segunda opção saiu vitoriosa (enfim mais ou menos), a bem de quem vos escreve, que mesmo sabendo nadar, já não tem idade para aventuras em alto mar.

É claro que em todas as boas regras, pode haver uma ou outra exceção. A primeira atende por Núria Graham, a catalã que tem um nome que engana. Apresentou-se de forma absolutamente clássica, à frente de um bonito piano sem cauda (embora caudaloso no som que dele vinha), com guitarrista / baixista, baterista e clarinetista / fagotista, todos sentados, pois o que tocam não é para pulos. Que inesperado e inspirado quarteto ao fim da tarde! Muito bonito, sóbrio e elegante. Fins qualsevol dia, Núria. Ou será melhor dizê-lo em inglês?

Ao fundo, bem distantes, tocavam The Beths e o seu power pop fazia-se ouvir. Ficámos pelos ecos dos neozelandeses, imaginando-os como seriam em palco. Robustos e poderosos, por certo.

Alguns largos passos até ao rock estridente dos The Murder Capital. Foi o que fizemos. Que grande início, a fazer lembrar The Birthday Party (a espaços). Já fazia falta uma rockalhada assim! Os rapazes de Dublin são bons no teatro do palco e vieram munidos de um bom lote de canções. Foram uma espécie de muitos em um: para além dos citados australianos, há neles sangue dos The Cure dos tempos mais sombrios, mas também dos Joy Division. Todo o pós-punk filtrado por James McGovern e companhia, digamos assim para facilitar. Um festim poderoso, portanto. Prepararam-nos o corpo para a chuva que parecia estar de novo a chegar por detrás da cinza do céu. E nós com esperança de que fosse apenas a noite a vir mais cedo… Ingenuidade pura.

The Murder Capital ©Inês Silva

Arlo Parks costuma cantar “we’re a super sad generation” e talvez tenha razão. Às questões colocadas em algumas das letras das suas canções, sobrepõe-se a beleza do lirismo das suas melodias. Serve esta nota introdutória para dizer que gostámos bastante do concerto que a britânica deu no Palco Porto. A menina de olhar simpático e de cabelo vermelho vivo esteve em grande. A pop com temperos jazzísticos assenta-lhe como uma luva. Depois do rock do concerto anterior, o de Arlo Parks parecia mel em bolachas de água e sal. Temas como “Weightless”, “Caroline” ou “Black Dog” souberam mesmo bem. Arlo Parks confessou as suas altas expectativas em relação ao concerto de ontem, uma vez que a última vez que tinha pisado um palco no Porto, deu um dos melhores da sua vida. Ela fará a sua avaliação comparativa, claro, mas que foi bom, lá isso foi. Sobretudo, até voltar a chover. Teria sido bom avisarem-nos que, desta vez, o Primavera Sound tinha feito parceria com o Glastonbury.

Arlo Parks ©Inês Silva

Ainda alguém se lembra dos Supergrass? E de Gaz Coombes? Lembram-se de ser o líder da banda britânica que tanta gente animou nos idos anos 90? A banda, na verdade, nada lança desde finais da primeira década deste século, enquanto Coombes tem feito carreira a solo, sendo o muito recente Turn The Car Around a sua última oferta, já do início deste ano de 2023. A verdade é que o músico tem vindo a ganhar notoriedade e sobriedade, apresentando-se atualmente mais “clássico” do que nunca. Não foi nada mau, o concerto. No entanto, o antes irreverente Coombes agora parece mais disposto a aprimorar as suas composições, misturando cordas para que fiquem mais justas, coesas, atadas. Não deu, portanto, ponto sem nó. A sua estética recente ouve-se bem. But don’t get me wrong, the man still rocks!

Dos The Mars Volta tudo se poderá esperar, menos o que nos apresentaram ultimamente. Alguma tranquilidade e quietude era algo impensável de ouvir na dupla mais progressiva, jazzística, punk, hard rock e rebelde das últimas décadas. Omar e Cedric, no entanto, resolveram seguir outro caminho no recente Mars Volta, de 2022. Mais ainda, fizeram um álbum acústico das canções deste que mencionámos. Surpreendidos? Pois, também nós. Longe (muito longe mesmo) vão os tempos de De-Loused in the Comatorium, acreditem. Isto em álbuns de estúdio, porque no Primavera desforraram-se. Grandes pedradas em palco, mas também alguma serenidade, por vezes. A dupla continua a desbravar caminhos muito seus, isso é um facto. Foi bom ouvir “The Widow”, por exemplo, de Frances The Mute (2005). Mas que grande canção prog!

PRIMAVERA SOUND PORTO 2023
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Resolvemos fazer algo nunca acontecido anteriormente em qualquer reportagem Altamont no Primavera: dar um look no Palco Bits. Menos por curiosidade, mas mais para fugir à chuva (é um local coberto, um pavilhão, na verdade), lá fomos espreitar. E assim, de súbito, meia dúzia de passos dados e estávamos em Berlim (como bem disse uma altamontiana presente), numa louca festa de som e luz, de batidas pouco amigas dos nossos órgãos internos, que gritavam para que saíssemos dali rapidamente. Ao contrário do que pediam, ainda por lá ficámos até a chuva amainar. Dizem que por lá há música a acontecer, mas não demos verdadeiramente por isso.

PRIMAVERA SOUND PORTO 2023
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O verbo rosaliar ouvia-se na boca das pessoas desde cedo. Um mar de gente foi ao Parque da Cidade sobretudo para ver e ouvir Rosalía. Crentes dessa nova religião sonora, foram milhares a fazerem-lhe as devidas reverências. Como boa messias, Rosalía espalha pelo mundo as batidas do seu inventivo reggaeton, mas também o seu particular flamenco. Os mais conhecedores da curta obra de Rosalía, esperavam pelo novíssimo tema da artista, que iria estrear nos ares da net. Ouvi-lo em palco seria a cereja no topo do bolo, o que não veio a acontecer. Com a mecânica costumeira, no palco foi havendo muita agitação. Danças, esquemas coreografados com bailarinos, uma parafernália de motivos que abrilhantaram a prestação da cantora, mas também esteve sozinha, tocando piano e cantando as suas canções. Algumas foram “Saoko”, “Despechá”, “Beso” e “Malamente”, das que mais fazem vibrar as gentes, como bem se sabe. Tudo muito bem oleado, profissional, competente. Há quem ame (muitos) e quem não perca tempo a vê-la e a ouvi-la (poucos). Agora, tendo em conta quem nos lê, é escolher em que lado está. Hasta luego, Primavera Sound! Já não falta muito para o terceiro round.

Fotografias: Inês Silva (excepto onde assinalado)

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