Foi há poucas semanas que este disco entrou na minha vida. Que momento arrepiante! Um milagre! É em instantes semelhantes a esse que damos conta da enorme imensidão de coisas que desconhecemos, e que se assim não fosse, as nossas vidas seriam muito mais preenchidas com coisas boas. Ouvir The Amazing Adventures of Simon Simon, de John Surman e Jack Dejohnette foi um autêntico sismo sonoro, com epicentro certeiro no coração. Comoveu-me como há muito não me acontecia. A talentosa dupla de músicos de Jazz tem neste disco a primeira parceria feita para a editora ECM, e a melhor também, segundo a unanimidade da crítica mais especializada. Na verdade, para quem gosta tanto de música como nós gostamos (eu, os outros amigos e colegas do Altamont, bem como quem nos lê de forma empenhada como você faz agora), não há melhor crítica do que aquela que resulta do juízo dos nossos ouvidos, e os meus não tiveram dúvida alguma: este é um disco (quase) perfeito!
Dividido em nove partes, os saxofones barítono e soprano de Surman (que aqui também toca clarinete e sintetizadores), e as congas, baterias e piano elétrico de DeJohnette acompanham-nos numa viagem que começa com uma das mais bonitas peças que alguma vez ouvi no universo do Jazz. Chama-se “Nestor’s Saga (The Tale of the Ancient)” e deveria fazer parte da banda sonora da vida de qualquer pessoa requintada. Começa de forma algo obscura, mas cedo clareia e resplandece. Os seus quase 11 minutos pedem repeat durante horas, e já cedi a essa tentação, acreditem. Segue-se “The Buccaneers”, momento típico de improvisação jazzística, e depois vem “Kentish Hunting (Lady Margaret’s Hair)”, outro excelente momento de linguagem sonora cinematográfica, a lembrar ambientes de uma qualquer cena de um filme de Peter Greenaway, interpretada por Nyman, por exemplo, e “The Pilgrim’s Way (To the Seventeen Walls)”, é também um tema superlativo. “Within the Halls of Neptune” começa com tiques hipnóticos, repleto de estranhos ruídos e texturas, sempre marcado por sopros divinos e mágicos. Todo o disco é muito visual, e é bem possível, se para aí estivermos virados, construir-se uma narrativa de contornos surrealistas, imaginando uma personagem (Simon Simon, claro) a percorrer caminhos e desventuras várias, talvez à procura de si mesmo. É assim que eu ouço, é assim que eu vejo estas Amazing Adventures. “Phoenix and the Fire”, por exemplo, leva o nosso herói às profundezas de um qualquer inferno interior, sobrevivendo a magníficas e serenas intempéries de sons. “Fide et Amore (By Faith and Love)” é contemplativo, luxuriante, uma espécie de despertar de momentos anteriores. Um delicado e belo momento! “Merry Pranks (The Jester’s Song)” é uma faixa curta e pouco adianta no alinhamento do disco, preparando-nos para o final, que acontece em “A Fitting Epitaph”, onde tudo parece ser ruína e quase pó.
Gravado e posto à venda em 1981, The Amazing Adventures of Simon Simon tomou-me a alma por inteiro. A última vez que um disco de Jazz me deixou num estado de dependência semelhante foi já há tanto tempo, que nem sei bem precisar. Aconteceu com outra obra prima, bem distante desta na forma e no conceito, mas igualmente deslumbrante. Refiro-me a Karma, de Pharoah Sanders, trabalho que não passou indiferente a este site. Ficam bem lado a lado, sem dúvida. Uma espécie de Yin e Yang jazzístico. Se puderem, não hesitem. Até porque há tantas e tantas coisas que vale a pena conhecer, não é verdade?
Há muitas coisas mesmo que a gente precisa conhecer,concordo.