Quando eu penso no talento de alguém que nasceu em 1990, penso, eventualmente, num futebolista, numa actriz pornográfica ou num daqueles rappers que o Ípsilon adora mas de quem nunca ninguém ouviu, ou vai ouvir, falar.
Agora falarem-me de uma cantautora inglesa, de 23 aninhos, que faz folk para gente crescida e com um toque só seu de modernidade, bem…caraças, faz-me sentir que não fiz nada da minha vida. Raios a partam.
Falo de Laura Marling, e agora um pouco de Wikipedia para a carola. Filha de um ricaço aristocrata que tinha um estúdio de gravação e de uma professora de música, aprendeu a tocar guitarra mal sabia andar. A educação musical foi feita em casa, muito pelos caminhos da folk. Aos 16 anos mudou-se para Londres, juntou-se à cena nu-folk local e foi compondo. Ah, e foi namorada do gajo dos Mumford and Sons (blhergh!), e isto é a única coisa negativa que me apraz dizer sobre a moça.
Tem 23 anos, mas este Once I Was An Eagle já é o seu quarto disco. Conheci-a com o anterior, o muito bom A creature I Don’t know, depois de ler uma crítica numa revista inglesa qualquer. Meti-o no iPod, que anda sempre em shuffle, e de cada vez que gostava de uma música e ia ver de quem era, lá estava ela. É sempre um óptimo sinal.
E este Once I was an eagle é ainda melhor. É um disco relativamente despido. Guitarra acústica e voz na base de tudo, com esta bem à frente, a falar-nos ao ouvido. Mas sem sussurros, porque esta mulher é de armas, sabe o que quer e o que tem a dizer. Basta ouvir as três primeiras músicas deste disco (façam-no já, por favor), que se ligam como se fossem uma só. Letras com poesia a sério, sérias, bem feitas, de quem olha a vida de peito aberto, sofreu e fez sofrer, como toda a gente.
Querem uma mulher forte e talentosa? Esqueçam as Beyoncés e as Gagas (que sacrilégio sequer desgastar os meus dedos com esta merdosa). É isto.
O single de avanço escolhido foi “Master Hunter”, uma coisa que me soa a Feist no bom sentido, mas que é mais pop que o resto do disco e pouco ilustrativo do seu estilo. Sim, o seu som é folk, mas com um substrato pop, no seu lado menos gratuito e mais profundo, que tudo penetra.
Durante anos procurei a figura feminina que merecesse, neste campeonato, estar ao lado de homens como Bill Callahan, Bonnie Prince Billy e (lá vem heresia, eu sei) Nick Drake. Andei pelas Cat Powers, pelas Feists, pelas Beth Ortons desta vida. Mas a resposta está aqui.
Ouçam este disco. A sério. Temos aqui não apenas um dos discos do ano (e isto vale o que vale, que não é muito), mas uma obra verdadeiramente madura de uma artista que, suspeito, andará por cá durante muitos e muitos anos.
23 aninhos. Raios a partam. Deus a abençoe.