Caetano Veloso tinha razão ao afirmar, nos últimos segundos da canção “Eles”, que “Os Mutantes são demais!” Agora que o mundo inteiro tem perfeita noção disso, mesmo passados quase 50 anos da referida gravação, a banda que ajudou a revolucionar o som da música brasileira no final da década de 60 com o advento da Tropicália, pode ser vista e ouvida em Portugal. Sendo tudo isto verdade, convém referir para início de conversa, que os Mutantes que agora se apresentam em Lisboa e Porto não são bem os mesmos que mereceram o elogio de Caetano no tema que finaliza o seu primeiro disco a solo. Dessa formação original resta apenas Sérgio Dias, e por isso (mas também por muitas outras coisas que não importa agora referir) os Mutantes já não são hoje o que foram no passado. Todas as verdades têm um tempo próprio, e são poucas as que envelhecem com genuíno certificado de autenticidade eterna. Mesmo assim, há que dizer que assistir a um concerto dos Mutantes em pleno século XXI é bem capaz de valer a pena. Não tenho sobre essa questão a mínima dúvida. Por isso tudo farei para lá estar, mais que não seja em honra e memória de 3 discos fundamentais da carreira da banda, sendo Os Mutantes (1968) aquele de que me vou ocupar nas próximas linhas.
O disco havia sido gravado em 1967, mas só acabaria por ser comercializado no ano seguinte. Foi, como muito bem se sabe, um disco marcante, tanto no país natal como no mundo, embora esse mesmo mundo tenha acordado para esse acontecimento bastante mais tarde. Mas, felizmente, acordou, dando-se conta do belíssimo trabalho que nele se encontra registado. São muitas as canções de excelência, muitas as novidades sonoras, muitas letras impactantes, muitos clássicos para um disco só. De rajada, para começar, atiro apenas estas: “Panis Et Circenses”, “A Minha Menina”, “Baby”, “Bat Macumba” e “Le Premier Bonheur Du Jour”, tema de Jean Renard e Frank Gerald, imortalizado no segundo álbum de Françoise Hardy, lançado em 1963. Curiosamente, nenhum destes hits são de autoria dos irmãos Arnaldo Baptista e Sérgio Dias, ou mesmo de Rita Lee, os membros do trio paulistano que respondia pelo nome que a banda tinha na altura. Caetano, Gil e Jorge Ben asseguraram forte participação nesse disco de estreia, sobretudo na autoria de vários temas, sendo que o músico carioca toca violão em “A Minha Menina”, canção de sua autoria. No entanto, o que importa referir acima de tudo, é a qualidade musical do álbum, as sobreposições inventivas de sons populares e eruditos, a experimentação de técnicas de estúdio, mas também a magia desse enorme maestro tropicalista que fez os arranjos do disco, e que dava pelo nome de Rogério Duprat, bem como do extraordinário produtor Manoel Barenbein. Uma das características da banda era o seu sentido de humor, coisa bem visível neste Os Mutantes, roqueiro e carnavalesco até à medula, embora também capaz de nos levar, letargicamente, pelo sopro de voz de Rita Lee a lugares muito distantes, lugares enfeitiçados pelo psicadelismo adocicado de muitos dos onze temas da álbum.
Para a história do rock brasileiro, este primeiro disco da banda é um marco fundamental, sobretudo por promover um som bem distante da simples cópia do que se fazia no exterior do país. Em Os Mutantes há, de modo claro, a procura de uma linguagem sonora de inclusão de elementos brasileiros (“Bat Macumba” talvez seja o melhor exemplo do que afirmo, mas “Adeus, Maria Fulô”, de Humberto Teixeira e de Sivuca, serve igualmente como ilustração inequívoca), e esse aspeto foi de enorme importância na meteórica ascensão da banda. Com Os Mutantes, a música brasileira ganhava novos heróis, embora o melhor ainda estivesse para vir.