St Germain – ou como fazer uma viagem de metro entre dois continentes.
Há quinze anos que não ouvíamos falar de Ludovic Navarre. O nome civil do produtor francês é pouco conhecido, mas se falarmos em St Germain, pouca gente há que não se lembre, por exemplo, de “Rose Rouge”. Pois bem, esse tipo de electrónica house jazz, urbana, moderna, ficou na estação. Na carruagem do Metro Paris-Bamako só entra uma pequena dose dessa dançante veia de monsieur Navarre. Agora quem manda é a kora, o n’goni, o soku e os cantos tribais. Claro que ainda há beats, loops, samples, teclas e guitarras, mas o que distingue este novo álbum de St Germain são os adornos afro.
O produtor Ludovic Navarre pegou numa série de músicos do Mali – Mamadou Cherif Soumano, Guimba Kouyate, Sadio Kone, Adama Coulibaly – botou-os em estúdio com os seus instrumentos tradicionais, ancestrais, e pediu-lhes para colorir as composições em que esteve a trabalhar nos últimos anos. Podia o maestro ter simulado tudo isso, não falta software dessa espécie, mas estamos a falar de gente séria. Ludovic Navarre sabe da importância de ser honesto, sabe que quem ouve sente se é genuíno ou fajuto. E o que aqui está é da mais pura africanidade, numa perfeita conjugação de actual e antigo.
Ao entrar no Metro Paris-Bamako, não viajamos só no espaço, mas também no tempo. Este cancioneiro africano tem séculos de existência e rapidamente nos transporta para uma qualquer era distante. Mas Ludovic é um homem de hoje e e não deixa de ser St Germain, e este trabalho – apesar de ter mudado o exterior – mantém a essência, ou seja, a base ambiental de inspiração house. Estão cá as batidas – mas mais minimais, apenas servem de cama para as verdadeiras estrelas do disco, as melodias africanas. Estão cá os teclados groovy, mas só aparecem a espaços e só para complementar os solos de kora ou os rasgos de canto tribal.
Em St Germain (o disco) levitamos um pouco e ficamos suspensos durante 51 minutos, numa dimensão que só existe neste disco, algures entre hoje e há mil anos atrás, algures entre a cidade das luzes e a escuridão de uma aldeia com cabanas de palha onde se dança à volta de fogueiras com pinturas no corpo.
St Germain mudou, ainda bem. Não queríamos que fizesse uma coisa igual ao que fez há 15 anos. Nos trabalhos anteriores, apontava mais à pista de dança, agora criou um disco muito mais ambiental, riquíssima simbiose que vai para além de estilos musicais, faz uma ponte perfeita entre dois continentes (três, se considerarmos a primeira canção, “Real Blues”, com um sample de um tema do bluesman americano Lightnin’ Hopkins).
Não deixa de ser relevante que, depois deste largo silêncio, o novo disco seja baptizado simplesmente St Germain. Ele assume a sua identidade e mostra que continua criativo, com algo novo e interessante para mostrar. Um regresso assinalável, que deixa também a esperança de o próximo disco de St Germain não sair só em 2030.