Quase 30 anos após a sua passagem por Portugal, aquando da última tour de Pink Floyd, Nick Mason regressa, desta vez com menos pompa e circustância, revisitando canções mais obscuras e de início de carreira, numa noite muito bem passada. Valeu a pena a espera!
Enquanto Roger Waters continua a levar o espírito épico de Pink Floyd aos estádios e arenas, num misto de raiva e inconformismo, Nick Mason, sempre um dos elementos mais pacatos da banda, saiu da sua longa reforma, juntando um pequeno grupo, mais discreto, tocando apenas canções pré – Dark Side of The Moon, temas que trazem o lado mais psicadélico e obscuro do conjunto, sendo bastantes da era de Syd Barrett, fundador e primeira mente criativa da incontornável banda britânica.
Mais do que Waters ou Gilmour, é Nick Mason quem tem mais propriedade sobre o conjunto que nos trouxe clássicos como “Time”, “Money”, “Wish You Were Here”, “Shine On You Crazy Diamond” ou “Another Brick In The Wall”. Mason é o único membro dos Pink Floyd que participou em todos os álbuns de estúdio da banda. Desde o longínquo The Piper At The Gates of Dawn até Endless River, último disco de estúdio, lançado em 2014, que aproveitava temas de teclados de Rick Wright não utilizados em The Division Bell e que Gilmour resolveu reaproveitar para fazer uma última homenagem ao malogrado teclista dos Floyd.
Há muito reformado das lides da música, nomeadamente de concertos, Nick Mason, amante de carros desportivos, faz tempo que deixou de ter aquele ar de baterista cool e maior do que a vida que aparentava no início dos anos 70 – especialmente no documentário concerto: Live At Pompeii – com os seus longos cabelos e bigode biker mítico. A partir dos 80, trocou o ar hippie pelo de yuppie, com as suas camisas clássicas e blazers, parecendo mais um empresário do que um músico rock.
Após a extensa e proveitosa tour de Division Bell, imortalizada no clássico Pulse, David Gilmour fartou-se dessa vida e pôs um fim não oficial à banda. Criava-se um vazio para os fãs, só preenchido por Waters, que já tinha abandonado os Pink Floyd no início dos anos 80, mas que continuava a dar grandes concertos em ostentava a bandeira de “o génio criativo por detrás dos Pink Floyd”. Gilmour acabaria por sentir o bichinho da estrada, começando a dar concertos mais intimistas no início dos anos 2000, passando por duas tours grandes, acompanhando os lançamentos dos seus discos a solo, On an Island e Rattle That Lock. Rick Wright acompanharia Gilmour na primeira tour até à sua morte, em 2008 mas Nick Mason continuava parado. A única vez que o vimos pegar nas baquetas foi na improvável e, ainda hoje, pouco acreditável que tenha sucedido, reunião dos Pink Floyd, no Live8, organizado por Bob Geldof. Nesta pequeno concerto, que marcou a primeira vez que Waters e Gilmour estiveram juntos desde 1982, foi evidente a ferrugem de Nick Mason em relação aos restantes elementos. Cometeu alguns pregos, especialmente em “Money”. Após esse comovente reencontro, poucas foram as vezes em que vimos Masonn actuar. Apareceu, esporadicamente, em tributos a Syd Barrett ou na tour do The Wall, de Roger Waters.
Com o vazio do fim dos Pink Floyd preenchido por David Gilmour, Roger Waters e outras inúmeras bandas de tributo (The Australian Pink Floyd, Brit Floyd, entre outras, as quais Mason fez graçola no concerto de Lisboa), não havia espaço, segundo o baterista, para ele próprio, sendo ele apenas isso, um baterista. E assim gozaria os seus dias de reforma até que, por ocasião do 50º aniversário de Guy Pratt, o baixista que substituiu Roger Waters nas tours de A Momentary Lapse of Reason e Division Bell, entre os vários convidados, estavam, entre outros (nomeadamente Gilmour e Phil Manzanera), Gary Kemp, dos Spandau Ballet , Dom Beken e Lee Harris, guitarrista aficcionado de Pink Floyd e o próprio Mason. Foi Lee Harris que, através de Pratt, insistiu que Nick Mason formasse uma banda, tocando canções menos óbvias e que não costumam ser tocadas por Waters nem Gilmour nos seus concertos.
Estava plantada a semente de Nick Mason’s Saucerful of Secrets que, apenas com algumas jam sessions, foi decidido levar o projecto avante. Projecto esse que, pensado em ser tocado ao vivo apenas em salas mais intimistas, cedo ganhou tracção e, em favor da crítica favorável, começou a alargar a lista de salas e de países onde passaria a tocar.
Adiado devido à pandemia de covid-19, o regresso de Nick Mason e da sua banda a Portugal, deu-se, finalmente, a 12 e 13 de julho, no Porto e Lisboa, respectivamente. Ao contrário do que assistimos no início do mês, aquando do concerto de Mike Love e os seus “Beach Boys”, com uma setlist longa e cheia de êxitos intemporais mas óbvios, o alinhamento que os Saucerful of Secrets nos trouxeram era capaz de deixar muito fã de Pink Floyd, da era pós-Waters, algo desiludido e alienado. Os tais fãs que surgiram no fim dos anos 80, muito colados aos mesmos fãs de Dire Straits, pouco conhecedores das canções do grupo pré Dark Side of The Moon.
Com início marcado para as 21:30, a sala ainda se encontrava a meio gás quando as luzes começaram a baixar. Antes, no ecrã gigante por detrás da bateria de Nick Mason, imagens psicadélicas ou atmosféricas iam passando, com o som ambiente muito próprio do imaginário Pink Floyd, com sons espaciais e trechos de conversas algo imperceptíveis. Passava pouco da hora marcada quando Gary Kemp, guitarrista de Spandau Ballet, o baixista de longa data dos Pink Floyd, Guy Pratt, o guitarrista Lee Harris e o teclista Dom Beken entraram em palco, todos com camisas floridas, ao lado de Nick Mason, o único com uma t-shirt branca com motivos iguais aos pintados na sua bateria e que apareciam, ocasionalmente no ecrã.
Em diversas entrevistas, Nick Mason enfatizou que estes Saucerful of Secrets não eram propriamente uma banda tributo mas sim uma homenagem ao som mais inocente e obscuro dos Pink Floyd e, convenhamos, ter o baterista original e fundador do conjunto, dará todo o crédito a esta afirmação.
No entanto, dadas as últimas intervenções de Mason na bateria, muitos poderiam achar que estes seriam concertos pouco credíveis e relevantes. Quem esteve ontem no Campo Pequeno, e acabaram por ser muito mais após a entrada da banda em palco, pode claramente comprovar que Mason ainda está em forma, apesar de mais comedido do que no auge dos Pink Floyd (os 78 anos de idade a isso obrigam), e este grupo que o acompanha não está nada abaixo de qualquer super banda de tributo. A juntar a isto, temos a vantagem de ter sido um concerto intimista, mais honesto e descontraído do que se fosse um de Gilmour ou Waters.
Num palco invulgarmente baixo e mais próximo do público, a banda de Nick Mason abriu as hostilidades com “One Of These Days”, uma das canções mais rock e potentes da discografia de Pink Floyd. Ao contrário da maior parte do alinhamento do concerto, esta música sempre foi uma das mais tocadas (e bem recebidas) nos concertos dos Floyd. O instrumental que abre Meddle, álbum de 1971, foi escrito a meias pelos membros do grupo toda e tem a famosa frase “One of these days i’m going to cut you into little pieces”, gravada por Mason e editada para dar um ar lunático. Uma das poucas canções de Pink Floyd onde a voz de Mason é ouvida. De seguida, “Arnold Layne”, escrita pelo “piper” Syd Barrett, trouxe o lado mais psicadélico dos Floyd ao Campo Pequeno.
A banda revisitaria alguns clássicos desta fase mais lisérgica, como “Astronomy Domine” ou Lucifer Sam”, de The Piper At The Gates of Dawn, entre outras canções escritas por Syd Barrett (a referida “Arnold Layne”, “Candy and A Currant Bun”, “Vegetable Man” (estas últimas nunca lançadas oficialmente na altura), “See Emily Play” e “Bike”). No seu jeito calmo e tranquilo, ao contrário de Guy Pratt e Kemp, sempre muito efusivos, Mason ia contando algumas histórias de Pink Floyd, entre canções, mais nomeadamente nas de Syd.
À terceira canção (“Fearless”, à qual não faltou o cântico do Liverpool “You’ll never walk alone”), o conjunto britânico começa a entrar pelo alinhamento de faixas menos conhecidas da discografia dos Pink Floyd, seguindo-se duas canções instrumentais do belíssimo disco esquecido Obscured By Clouds (faixa-título e “When You’re In”). Mais para o fim também “Burning Bridges” e “Chilhood’s End” seriam tocadas.
Após as já referidas canções nunca editadas de Syd, surge a primeira faixa originalmente cantada por Roger Waters, “If”, partida ao meio para ser recheada com a fantástica “Atom Heart Mother”. Começava a chegar a hora de homenagear o outro elemento já desaparecido. Rick Wright foi relembrado por Mason com a primeira canção do álbum que dá nome à banda – A Saucerful of Secrets. A “Remember a Day” seguiu-se outro dos momentos altos da da noite. “Set The Controls for the Heart Of The Sun”, onde Mason pôde, finalmente usar um gongo igual ao que Roger Waters batia estridentemente no início dos anos 70.
Após um intervalo de 20 minutos para as pessoas se refrescarem do calor e Nick Mason descansar os braços, o regresso ao palco fez-se com a viagem espacial pela já referida “Astronomy Domine”, clássico eterno de Syd Barrett, mas desembocaria na rasgada “The Nile Song”, da banda sonora do filme de culto More, de 1969, desta vez cantada por Guy Pratt, o baixista de serviço, que aproveitou para falar de David Gilmour, e da sua última canção de homenagem ao povo ucraniano. Já antes, tinha referido que tinha passado férias em Melides, aquando da música que homenageava Rick Wright, o avô do seu filho.
Num concerto de cerca duas horas, os pontos altos foram, claramente, as rendições de “Atom Heart Mother, “Echoes” e “Saucerful of Secrets”, onde Kemp esteve sempre muito bem na guitarra, quase nos fazendo esquecer que não era David Gilmour quem lá estava. Uma palavra também para o teclista Dom Beken, também produtor da banda, que com os seus três teclados em palco fez uma bela homenagem a Rick Wright.
O concerto acabaria com “Bike”, última homenagem do grupo de Nick Mason a Syd Barrett, com várias pessoas a saírem, finalmente, dos seus lugares sentados para irem para a frente do palco e verem o baterista de perto. Acabava-se assim a tour europeia de Nick Mason’s Saucerful of Secrets, com pouco público presente, mas efusivo o suficiente para ter tornado este dia inesquecível.
Num mundo perfeito, teríamos Nick Mason ao lado de Roger Waters e David Gilmour em palco. Isso hoje parece mais impossível de acontecer do que antes do Live8, quando também parecia, aliás, completamente improvável. No entanto, quem for fã de Pink Floyd está com sorte. Roger Waters encontra-se a fazer mais uma tour que, segundo os relatos, está novamente incrível e, agora, temos Nick Mason e os seus companheiros a homenagear de uma forma honesta mas com bastante categoria, a banda de Syd, Rick, David, Roger e Nick.
O baterista esteve até aos 75 anos para se lançar a solo, e em boa hora o fez porque valeu a pena. Num mundo tão marcado pela impaciência e scrolling dos tik-toks e restantes redes sociais, pela mediocridade e playbacks na música, ouvir uma banda ao vivo a tocar clássicos mais desconhecidos é refrescante. Precisamos mais de acontecimentos como este.
Fotografias: Hugo Amaral
Alinhamento:
- One of These Days
- Arnold Layne
- Fearless
- Obscured by Clouds
- When You’re In
- Candy and a Currant Bun
- Vegetable Man
- If
- Atom Heart Mother
- If (reprise)
- Remember a Day
- Set the Controls For The Heart of The Sun
- Astronomy Domine
- The Nile Song
- Burning Bridges
- Childhood’s End
- Lucifer Sam
- Echoes
- See Emily Play
- A Saucerful of Secrets
- Bike
No Porto só actuaram 1 hora.
Belo concerto!