The Endless River encerra um ciclo de quase 50 anos de história de uma das maiores bandas de sempre.
«The endless river… forever and ever.» Era com esta frase que terminava aquilo que a História julgava ser o último disco de sempre dos Pink Floyd: The Division Bell. No entanto quis o destino, ou neste caso o falecimento do teclista Richard Wright em 2008, que os seus companheiros David Gilmour e Nick Mason reavaliassem as sessões de 1993 com outros olhos. Afinal ainda havia nos arquivos da banda um bom pedaço de música por contar.
Durante anos correu entre a comunidade de fãs a lenda de que havia uma obra inacabada, apelidada de The Big Spliff, que conteria ideias e sons mais experimentais e que deveria ter saído como companion album de The Division Bell. Uma ideia que, segundo Nick Mason, esteve quase a ser concretizada, não fossem as limitações de tempo para acabar o disco que acabou por sair na primavera de 1994 e que deu origem a uma digressão mundial (que passou duas noites em Lisboa), com recordes de bilheteira sobejamente conhecidos.
Quem foi aos concertos desse ano lembra-se de uma intro tape, também conhecida como «Soundscape», que foi incluída na edição cassete do disco ao vivo Pulse. Muitos julgavam ser o tal The Big Spliff. Não. O verdadeiro segredo estava bem guardado no estúdio – Astoria Boat – de David Gilmour, em quatro ou cinco DAT, contendo cinco a seis horas de música e mais de 40 ideias musicais por explorar.
Claro que os Pink Floyd não trabalharam sozinhos para chegarem ao resultado final da sua 15.ª criação de estúdio. Há mérito nos produtores: Andy Jackson (engenheiro de som da banda desde o final dos anos 70), que fez as primeiras colagens de ideias; o amigo de Gilmour, Phil Manzanera (dos Roxy Music), que ajudou a sequenciar a música; e Martin Youth Glover dos Orb que emprestou à música um tratamento ainda mais experimental, construindo ambientes tipicamente «floydianos» dignos de aparecer em discos importantes como Meddle, A Saurceful of Secrets ou Ummagumma. Depois de tudo muito bem cozinhado, foi tudo à aprovação do chef Gilmour, que, com a sua mulher Polly Samson, escreveu a única verdadeira canção do disco: “Louder than Words”. Mas já lá vamos…
O que interessa a reter aqui é que este é o álbum com a marca de Richard Wright. É o seu espirito que paira sobre The Endless River. É precisamente com a sua voz que começamos a aventura em “Things Left Unsaid”: «We certainly are underspoken and understanding / But there’s a lot of things unsaid as well / We shout and argue and fight, and work it on out…»
O tom que marca o disco é sempre aquela melancolia «floydiana» do costume. Sempre aquela divisão do us vs. them, sempre aquele espírito de alienação «lunática do lado oculto da lua», ou o «diamante louco às portas da madrugada» que sofre por «ter se render à máquina». As guitarras de Gilmour, parece que choram sempre que o seu autor as chama para um solo (“Eyes to Pearls”). Os teclados discretos de Wright, sempre entre o jazz e o clássico, que sempre vagueiam por territórios sombrios do espaço sideral (“It’s What We Do”). A bateria de Mason, competente q.b., aqui com um momento alto na sua prestação na faixa “Skins”.
Impõe-se a pergunta: falta lá Roger Waters? Claro que sim. As suas letras eram uma parte vital da banda e o disco teria certamente ganhado com isso. Contudo o único cenário perfeito foi, em 2005, no Live 8, quando os quatro elementos se reuniram pela última vez. Infelizmente não teve continuidade. Mas foram os melhores vinte minutos musicais de televisão em directo de sempre.
Gilmour ironicamente já anunciou que este é o derradeiro disco dos Pink Floyd. O fim. No entanto, para quem pensou que a banda já tinha há muito falecido, não deixa de ser uma bela aparição. Chegamos a “Louder Than Words”, tema autobiográfico sobre os conflitos que atravessaram a banda durante décadas, como a cereja no topo do bolo que encerra um ciclo de quase 50 anos de história de uma das maiores bandas de sempre.