Os concertos fizeram-se em tom familiar. Yann Tiersen e Quinquis estiveram no mesmo palco do Hipódromo Manuel Possolo, na terceira noite do aguardado regresso do EDP Cool Jazz.
Regressar ao EDP Cool Jazz é sempre um prazer! Mais ainda quando durante três longos anos, o festival da vila de Cascais não se realizou pelas razões que todos bem conhecemos e que fomos tentando esquecer durante esse intervalo de tempo. Mas chega de lamúrias, que agora a normalidade regressou, e com ela os prazeres voltam a estar na ordem do dia. Assim, o Altamont meteu-se a caminho para ir ver e ouvir um músico que já por algumas vezes veio até nós e que tem, isso é certo, algum público fiel. Falamos de Yann Tiersen, artista de vanguarda, multi-instrumentista e compositor francês que o mundo inteiro passou a conhecer melhor desde que assinou a banda sonora de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, extraordinária obra cinematográfica de Jean-Pierre Jeunet, lá pelo início deste século. Artista com muitos discos gravados em nome próprio e também com um extenso rol de colaborações (Neil Hannon, Lisa Germano, Dominique A., Shannon Wright e Stuart Staples são alguns dos melhores exemplos que podemos referir), Yann Tiersen regressou a Portugal a meio da sua tour europeia, que terminará apenas em outubro. Como companhia trouxe Quinquis (Émilie Tiersen), com quem está casado desde 2016. A primeira parte foi dela. Um programa familiar, portanto.
A senhora Tiersen (Quinquis é, como já referido, o seu nome artístico) estreou-se em Portugal exatamente à hora marcada. Às 21 horas, a sua música fez-se escutar. Feita de camadas, sons eletrónicos, voz com alguma pujança, a multi-instrumentista deu um concerto interessante, por vezes hipnótico, por vezes a lembrar ambientes à maneira de Laurie Anderson, apenas tendo à sua frente uma mesa de aparelhagens várias e dezenas de botões que tudo controlam. Ritmos, vozes, sons. Falou-nos da ilha onde vive e do facto de ser um local de muitas mulheres viúvas, que foram perdendo os maridos para o imenso mar do Atlântico norte. Cantou-nos uma canção sobre uma dessas mulheres e da história de amor trágico que viveu. Uma espécie de fado intemporal das gentes daquele local. Os sentimentos de perda e de dor parecem estar presentes em permanência na música de Quinquis. Há nela uma soturnidade particular, angulosa, esquiva, inquietante. Num pequeno local fechado (numa igreja, por exemplo) deverá resultar lindamente. Em espaço aberto e algo ventoso, nem tanto. Mas algum do seu encanto sobrepôs-se a todas essas questões e o resultado foi positivo. Quando se trata de coisas sensíveis e belas, há sempre algo que permanece, mesmo que em embrião apenas. Tudo isto em meia hora. Havia que esperar 45 minutos por Yann Tiersen.
A notícia da noite, no que diz respeito a Tiersen e sobretudo para os mais distraídos, é que o músico não iria tocar piano, mas antes apresentar um inovador espetáculo onde imagens e projeções fariam a diferença, daí prescindindo de um dos seus instrumentos de eleição.
E assim foi. Do ponto de vista visual, o espetáculo foi magnífico. Parecia que, por vezes, íamos percorrendo um cenário galático. Noutros momentos, mergulhámos até às profundezas de qualquer coisa que não conseguíamos, de facto, identificar. Tudo muito sugestivo e inquietante. Foi uma noite de inquietações, na verdade, mas no bom sentido do termo. Numa perspetiva meramente sonora, todo o concerto foi marcado por uma veia cinematográfica, krautiana (por vezes, se fechássemos os olhos, poderíamos estar perante uns Cosmic Jokers, por exemplo, mas também de uns Organisation – os Kraftwerk antes de serem Kraftwerk – e o seu álbum Tone Float), repleto de lençóis de sons que esvoaçavam ao nosso redor, à nossa frente, por todos os lados. Um concerto imersivo, por vezes claustrofóbico, frio, gélido até. Em certas partes, o destaque das composições fez-se dos ritmos, quase desprezando a melodia. O contrário, noutros instantes, também se verificou. Tudo perfeitamente equilibrado, metodicamente concebido. Esse facto foi, aliás e curiosamente, o seu principal predicado e o seu maior defeito, digamos assim. Faltou alguma alma onde sobrou processo e rigor. Mas, por outro lado, a encenação sonora não nos retirou a essência e o espírito do que ía sendo feito em palco. Quinquis esteve de novo em destaque para cantar em algumas composições, para vocalizações várias que deram um pouco de espessura a momentos mais etéreos. Foi um autêntico concerto from outter space. Lá mais para o fim, o flirt com os Kraftwerk chegou mesmo a ser descarado. Que maravilha!
Cremos que para muitos dos presentes terá sido uma surpresa a tender para a desilusão, o concerto que Yann Tiersen lhes reservou. Para outros, uma surpreendente revelação. Na verdade, o que vimos e ouvimos ontem foi tão inesperado, quanto prazeroso: uma espécie de poética da eletricidade em movimento. Um inusitado e insólito triunfo das máquinas!
Fotografias de Sara Hawk, gentilmente cedidas pela organização.
Mateus Saldanha Trio foram maravilhosos, e teriam espaço no palco principal de qualquer festival deste género.
Yann Tiersen, uma desilusão completa. Nunca tinha assistido a uma “debandada” em massa de um concerto de um cabeça de cartaz em festival algum, sendo certo que o público desconhecia as intenções do artista para este concerto. Se a organização do festival era alheia às suas intenções ou não, será outra questão. Eu não ouvi aviso algum por parte da organização acerca do que é referido neste artigo, nem muita gente com quem falei ouviu. As músicas não se enquadraram minimamente no festival. Não me compete duvidar acerca das competências musicais do senhor, mas que traíu a confiança de todo um público, traíu. E o público não perdoou. O facto de ter “passado” uma última música e ter desaparecido do palco sem qualquer tipo de consideração ou despedida, leva-me a crer que se apercebeu da “asneira” que fez… Um reembolso do dinheiro pago para este concerto seria justo, segundo opiniões várias de outras pessoas que ontem estiveram no EDP Cool Jazz.