Surgiu sem que ninguém o noticiasse, mas em muito boa hora, mesmo assim. Every Single Night é um acontecimento que muito deve à clausura da pandemia em que ainda vivemos. O disco compõe-se de versões muito especiais de variados temas onde apenas encontramos voz, as cordas de um violão e uma pitada enorme de bom gosto.
A primeira vez que vimos o seu nome inscrito no encarte de um disco, foi em 1982. O álbum em questão era o ótimo Cores, Nomes, um dos melhores discos dos anos 80 feito pelo seu pai, Caetano Veloso, onde assinava, a meias com o progenitor, o tema “Um canto de Afoxé para o Bloco do Ilê”. A canção surpreendia pelo seu suave encanto, mas também pelo ritmo bem vincado e ainda pelas palavras presentes na singela quadra cantada. Quem a ouviu não esquece os versos, bastando entoar “Ilê aiê, como você é bonito de se ver” para que toda a canção se torne presente. Moreno Veloso, é dele que falamos, tinha apenas dez anos de idade. Depois, bem mais tarde, formou-se em Física, mas a química com as canções e com os sons falaram mais alto, fazendo com que experimentasse caminhos que o levaram a vários projetos, primeiro em grupos de amigos e músicos (+2 e Orquestra Imperial), até finalmente se apresentar em nome próprio. Foi sempre compondo, para si e para alguns vultos do estrelato da música popular brasileira, tendo até ao momento publicado Solo in Tokyo (2011), Coisa Boa (2014) e ainda o recentíssimo Every Single Night, de que aqui vos damos conta.
Segundo reza a história, quando Moreno Veloso e Clara Flaksman tiveram os seus filhos (Rosa e José, em 2006 e 2008, respetivamente), o músico ganhou o gosto de lhes cantar, ainda bebés, canções de embalar para que o sono lhes viesse através dos sons da sua voz e do seu violão. Agora, quando esse doce embalo noturno já não é questão que se coloque na vida de Moreno Veloso, acabou por passar por uma situação algo semelhante quando, fechado em casa por via do vírus que tomou conta do mundo, ficava até de madrugada cantando e gravando temas que o ajudassem (quem sabe?) a embalar a própria vida de desencanto que todos fomos levando. Por isso, Every Single Night nasceu desse ato solitário de interpretar temas de vários e muito distintos compositores. Há de tudo um pouco, e de nacionalidades inesperadas. Desde Agustín Lara, mexicano que compôs “Noche de Ronda”, tremendo êxito sul americano de meados dos anos trinta do século passado e que inicia Every Single Night, até Barão Vermelho (“Bilhetinho Azul”), passando, por exemplo, pela famosa “Tigresa” que Caetano fez para a musa Sónia Braga, nos anos setenta. Mas há ainda mais, pois claro: “Evaporar”, do hermano Rodrigo Amarante, “Três da Madrugada”, do saudoso tropicalista Torquato Neto, canção imortalizada pela madrinha Gal Costa, assim como “Fazenda”, que Nelson Angelo compôs como tema de abertura do belíssimo Geraes, que Milton Nascimento gravou em 1976, entre mais alguns bonitos temas. Ao todo, são onze os temas do álbum, tudo em pouco mais de trinta e cinco minutos.
O que mais sobressai, para além do cuidado repertório, é a delicadeza do tratamento que o músico dá a cada um dos momentos do disco. Como se referiu, aqui apenas se escuta a voz e o violão de Moreno Veloso, mas isso basta para nos cativar e nos fazer desejar ouvir todos estes temas ao vivo, quem sabe se num futuro não muito distante. O formato de banquinho e violão vai bem com a delicada e frágil voz do filho mais velho de Caetano Veloso. Every Single Night, quando o ouvimos, resulta num pequeno instante paradisíaco e deve ser escutado, para bem dos nossos humores mais íntimos e silenciosos, every single day até que se entranhe em nós e nos faça habitar a paz que o disco propõe. Que coisa boa!