Foi bonito o concerto dos Lobo Mau e dos Baleia Piloto no coração da Trafaria.
No sábado passado, fomos pescar à Trafaria, sargos e robalos nem vê-los, só lobos e baleias picaram o anzol (o Tejo anda esquisito): os Lobo Mau e os Baleia Piloto espalhando magia no Recreios Desportivos da Trafaria (uma sociedade antiquíssima da margem sul atenta à nova pop da margem norte, é só apanhar o ferry). Tudo com o selo de qualidade da Capote Música, a promotora a urdir os fios na sombra.
De quando em vez, os Lobo Mau gostam de se enfeitar com uma secção rítmica, mas nesta noite optaram pela frugalidade do trio que forma a essência da banda, ganhando em delicadeza e intimismo (o cavaquinho, o acordeão e a ocarina ouvindo-se, cristalinos). Desengane-se, porém, quem pense que o fulgor rítmico teve de ser vendido no negócio: a guitarra percussiva de Gonçalo Ferreira foi desenhada para este formato.
A voz de Lília Esteves é sempre uma caixa de surpresas, ora mais límpida, ora mais barrenta, bem-me-quer, mal-me-quer. A praia do Torrão desempatou, emprestando areia e pedrinhas à sua voz (coitada da senhora das limpezas, que teve de varrer tudo no fim). De maneira que andou ao despique com David Jacinto, para ver quem tinha mais cinza e whisky nas cordas vocais. Ganhou o público, deliciando-se no bonito entrelaçar das duas vozes.
O alinhamento foi salomónico, picando por igual os três discos (o álbum de estreia Na Casa Dele, o EP Vinha a Cantar e o último tomo Agarrado ao Mundo): a guitarra-comboio de “É Delicado” – pouca terra, pouca terra -, dançando o falso vira de “Os Olhos da Aldeia”, e as duas melodias independentes de “Corrente de Ar” arrepiando-nos com o sofisticado contraponto.
Os Baleia Piloto, orgulhosos, não deixaram descer a fasquia, como quem diz: “nem pensem que o vosso trio é melhor do que o nosso”. A estética é diferente, é certo, com mais decibéis pop-rock, e mais orientados para o formato-canção, com refrões cantaroláveis no chuveiro (as vozes de Nuno Lopes e de David Matos suaves como a brisa de Verão).
O álbum de estreia, Corta Vento, dominou o concerto, desde “Norte” – com a sua linha de guitarra Motown à “My Girl” – até à chamânica “Bombito”, psicadelismo e afrobeat na moulinex. Mas os Baleia devem estar desejosos de gravar um novo disco, tantos foram os temas ainda inéditos que por aqui passaram (destaque para o balanço quase hip-hop de “Intervalos” e para o baixo aquático de “Pirata”). O contraste entre a delicadeza pop e a bateria robusta e precisa de Antero Assane fez o resto. Nos olhares fulminantes mas cúmplices parecíamos intuir: “olha lá, Antero, mais baixinho”, os desaforos que um tipo vindo do metal tem de ouvir…
O público gostou tanto que não abandonou o salão nobre enquanto não tocassem mais uma. E assim o fizeram, lançando a “Âncora” no encore, supostamente mal ensaiada: “daqui a umas semanas está melhorzinho.”
Bela foi a noite Capote em modo duplex. Como quem encontra o norte a sul do Tejo…
Fotografias: Rui Gato