O segundo disco de Jorge Palma, Té Já, deixa-se de mariquices sinfónicas para abraçar o formato canção. Como o próprio título sugere, é um álbum de despedida – Palma já decidido a partir pela Europa fora.
1977 é um ano difícil para Jorge Palma, assombrado pelo espectro da heroína. Todos os seus amigos mais próximos mordem o isco e também Jorge cai na esparrela. Quando um dos seus compinchas morre de overdose percebe que é preciso partir. O título do seu segundo álbum, Té Já, é Palma a dizer-nos justamente isso: ‘nem pensem que vou ficar aqui a afundar-me, vou andarilhar sozinho pela Europa, de viola às costas, até me livrar deste estúpido ferrão’.
A sorte para nós é que Palma transforma essa escuridão em ouro criativo. Té Já não é apenas um grande disco, é um salto quântico em relação ao álbum de estreia, afastando-se das suas deambulações prog para se focar naquilo que melhor sabe fazer: canções, enormes canções! Sucede o mesmo com as letras, algo pomposas e carrancudas em Viagem na Palma da Mão, despretensiosas e engraçadas em Té Já. Se descontarmos a voz, ainda com o timbre fininho e límpido da juventude, tudo o resto é já Jorge Palma totalmente formado.
Té Já é a casa da primeira versão de “O Bairro Amor” (mais tarde regravada para o álbum de ’89 que lhe roubou o nome), uma das suas canções mais conhecidas e aclamadas. Mas o disco é tão estupidamente consistente que quase que passa despercebida, apenas mais um bolo na deliciosa pastelaria. “Podem Falar” e “Eles Já Estão Fartos” teriam uma segunda vida no Palma’s Gang Ao Vivo no Johnny Guitar. Sérgio Godinho conhece a música de Jorge Palma através deste disco, ficando surpreendido pela coerência de todo o conjunto – os pares reconhecendo a emergência de um novo autor, com a sua assinatura única.
Se Palma se armou em faz tudo no disco de estreia, em Té Já só canta e toca piano, deixando o resto para velhos cúmplices (destaque para o enorme Júlio Pereira na guitarra). A toada geral é folk rock com pinceladas de jazz (especialmente no piano de Palma e no saxofone de Rão Kyao, seu comparsa nos tempos dos Sindikato).
No meio de tantas pérolas, destacamos a angustiada “Meio-Dia”, por traduzir tão bem o seu estado de espírito de então: “tudo continua igual, nesta cidade / onde tentam fazer de mim, o que eu não quero ser / sei que um dia acabamos por nos cruzar / e dizer de novo ‘té já’.” Um “já” que durou dois anos, regressando de alma lavada…