O disco de estreia de Jorge Palma, Uma Viagem na Palma da Mão, tem tanto de naive e datado como de belo e inventivo.
A Guerra Colonial a bater à porta, o exílio na Dinamarca e o regresso a Lisboa no pós-25 de Abril tornaram atribulada a escrita do primeiro longa-duração de Jorge Palma: primeiro, esboçado em inglês em Copenhaga (na senda quimérica da internacionalização); depois, transposto em Portugal para a língua-mãe, como sempre fora o seu desígnio.
Viagem na Palma da Mão pode ser datado na estética (com todos os tiques operáticos do prog rock), e cândido nos seus clichês contracultura; mas é um disco belíssimo, recheado de temas antológicos, revisitados nos discos-montra dos anos 90 (“Dizem que Não Sabiam Quem Era”, “O Fim” e a canção-título integrariam Só; “Poema Flipão” e “O Velho no Jardim” assomariam no Palma’s Gang Ao Vivo no Johnny Guitar).
No viço dos seus 24 anos, Palma faz quase tudo, assinando os arranjos, tocando baixo e guitarras, para lá, obviamente, do piano e da voz. Só a bateria e os sopros (flauta e sax) ficariam a cargo de dois comparsas seus do tempo dos Sindikato.
A produção é excelente, com aquele calor aveludado e orgânico tão característico dos anos 70. O timbre da voz é juvenil, ainda não marinada em suficente whisky e tabaco para merecer a vindoura rouquidão. As letras são ingénuas, sinceras na sua romântica rebeldia, mas ainda demasiado sisudas (o contrapeso do humor só chegaria mais tarde).
Se os seus libelos contra a fé e a tradição são vagamente esquerdistas, Viagem na Palma da Mão nada tem de panfletário, nem de tradicional português, fugindo do canção de intervenção como o diabo foge da cruz. O seu desalinhamento ideológico e estético, em pleno Verão Quente, ajuda, talvez, a explicar o rotundo falhanço comercial, vendendo “meia dúzia” de exemplares. Mas um importante activo, valioso a longo prazo, começou aqui a ser formado: a sua inegociável integridade autoral.