Passaram muitos anos até Jorge Palma dar corpo a um novo álbum. O primeiro longa duração de temas inéditos do presente século revelou um músico em muito boa forma e trouxe mais alguns clássicos para o futuro
Fazer um novo disco depois de Bairro do Amor talvez não fosse tarefa fácil. Esse álbum de capa amarela foi marcante, como sabemos, e talvez por isso tenha passado tanto tempo até Jorge Palma ter regressado aos discos em nome próprio. No entanto, entre 1989 e 2001, o nosso herói não esteve quieto. Antes pelo contrário. Concluiu o Curso Superior de Piano no Conservatório de Lisboa, andou perdido de amores pelo projeto Palma’s Gang (do qual foi fundador), foi pai pela segunda vez, surgiu ao lado de Rui Veloso, Tim, Vitorino e João Gil como Rio Grande, participou em diversos espetáculos de teatro (um deles sobre Bertold Brecht, na peça Lux In Tenebris) e mais o diabo a quatro, cabendo nessa expressão participações no espetáculo Filhos de Rimbaud (com Sérgio Godinho, Rui Reininho, o poeta Al Berto e João Peste). Como se vê, a demora foi muita, mas valeu a pena. O disco de 2001 é de excelência. Acabou por ter o nome do artista como título, mas esteve para se chamar No Tempo dos Assassinos ou ainda Está-se Tudo a Passar. Curiosamente, há quem o designe por É Proibido Fumar (por causa da fotografia da capa), que, já agora e por mera curiosidade, é o título do terceiro álbum do rei Roberto Carlos, datado de 1964, o que tem como cartão de visita maior o célebre “Calhambeque”.
Jorge Palma abre com a roqueira “Dormia Tão Sossegada”, que se tornou assídua nos seus futuros concertos. No entanto, a maior parte dos onze temas seguintes não lhes seguem os passos irrequietos e ritmados. “Tempos dos Assassinos”, a faixa seguinte, é tão sombria quanto a expressão indica, mas foi ficando como quase clássico. É, de facto, um belo tema que vai ganhado corpo e forma à medida que o vamos escutando. Outros destaques serão “Quem És Tu, de Novo” (um hino daqueles que só Jorge Palma sabe fazer, quando se senta ao piano a querer juntar-se à eternidade) e “Disse fêmea”. Ambas assumem-se como as melhores faixas do álbum, na nossa opinião, embora não fiquem muito isoladas nesse dourado estatuto, uma vez que o nosso apreço também recai sobre algumas outras, como “Olhos de Catarina”, “Espécie de Vampiro” e ainda sobre as bonitas mas tristes carícias de “Beijos e Papas de Leite”. No entanto, e na verdade, também não é justo ignorar a waitsiana “Sonhadores Inatos” ou a autobiográfica “Do Pobre B.B.”, nascida para a peça do dramaturgo alemão há pouco referida. É uma canção curiosa, não só porque se vai entranhando se lhe dermos a devida atenção, mas sobretudo pela ótima letra cantada.
Jorge Palma ganhou o galardão José Afonso, uma vez que foi considerado o melhor disco português do ano. Parece-nos justo, mesmo que à distância não tenhamos bem consciência dos álbuns lançados nesse já longínquo ano, mas o simples facto de Jorge Palma ter interrompido o hiato de tempo em que permaneceu mudo para as coisas inéditas e em nome próprio, já nos parece que o prémio foi mais do que merecido. Para mais, e como já fomos avançando, o álbum é bastante bom, ao nível dos melhores que o músico lisboeta produziu até aos dias de hoje.
Aproveitando o embalo do álbum, sobretudo por ter sido bem recebido por crítica e público, Jorge Palma gravou o duplo No Tempo dos Assassinos à guitarra e ao piano, por vezes com a participação de Vicente Palma, o seu primeiro filho. Mas sobre esse álbum, o melhor é estar atento a este Especial Jorge Palma. Fique connosco e não se arrependerá.