Palma’s Gang ao Vivo no Johnny Guitar é o irmão mau de Só: também um best of disfarçado mas com muitos decibéis rock’n’roll.
Nos anos 90, Jorge Palma não escreve um único disco de originais, um merecido descanso do guerreiro depois da atarefada década anterior, com cinco álbuns de inéditos. O que não quer dizer que Palma tenha passado os nineties a beber margaritas de papo para o ar. Além dos projectos Rio Grande e Cabeças no Ar, e de diversas colaborações teatrais, revisitou o seu cancioneiro em Só e Palma’s Gang ao Vivo no Johnny Guitar, ambos decisivos em passar a chama à geração seguinte.
Estes dois discos formam tacitamente um conjunto, uma espécie de greatest hits, volume I e II, daí que quase não haja canções repetidas nos dois tomos (as únicas excepções são “Bairro do Amor” e “Deixa-me Rir”). Os dois “irmãos” têm estéticas complementares, como se fossem negativos um do outro: onde Só é acústico e intimista (apenas piano e voz), Palma’s Gang ao Vivo no Johnny Guitar é um petardo de pujança rock’n’roll.
O Johnny Guitar foi criado em ’90 por malta dos Rádio Macau e dos Xutos, para suprir o vazio deixado pelo encerramento do Rock Rendez-Vous. O clube de Santos era uma segunda casa para Palma, sendo rara a noite em que não rumasse para lá. Numa dessas ébrias madrugadas, os sócios Alex (baixo), Zé Pedro (guitarra-ritmo) e Kalu (bateria) conjuram uma banda com o seu amigo Jorge Palma. Premissa 1: despentear as suas canções com uma sensibilidade roqueira. Premissa 2: mostrar tudo num concerto no próprio Johnny Guitar. Palma respondeu: porque não? Faltava, porém, uma guitarra-solo, recaindo sobre Flak, dos Rádio Macau, essa incumbência. O mítico Palma’s Gang estava formado!
Os ensaios começam logo e o prometido concerto acontece pouco tempo depois, tendo a noite sido gravada para a posteridade, sem overdubs – o que ouvimos é o que aconteceu. A verdade da fita compensa o som um pouco manhoso: é como se estivéssemos também ali, no esconso e apinhado bar, envoltos numa névoa de haxe, com as gotas de suor a escorrer pelas costas…
É um disco de “guitarras”, assim, conjugado no plural: Zé Pedro, Flak e o próprio Palma, os três com o pedal da distorção ligado. A secção rítmica é igualmente demolidora. Só em “Maçã de Junho” e “Bairro do Amor” há uma breve pausa na violência rock’n’roll, com Palma cantando sozinho à viola. O final também é intimista, com uma versão suave de “Walk on the Wild Side”, de Lou Reed. O resto é sempre a partir, sempre no vermelho.
O peso de Ao Vivo no Johnny Guitar reflecte os ares do tempo, quando o musculado grunge dominava o airplay. Os cabeludos de flanela mais surdos, os que não “perceberam” o intimismo de Só, não tiveram agora outra alternativa senão render-se ao seu génio. É esse o legado deste disco: a porta de entrada dos putos mais roqueiros para a magia de Jorge Palma.