Este foi o disco que o salvou. Só por isso, merece um destaque especial. Voo Nocturno foi o início de um novo tempo para o nosso Jorge Palma. Encostou-se a nós e assim ficou até hoje.
Voo Nocturno é um belíssimo disco. Ao que parece, o próprio Palma gostou do produto final, o que nem sempre aconteceu durante a sua carreira. Quando assim é, pode ser um bom sinal, sobretudo quando esse apreço vem de alguém que sempre foi honesto em tudo o que fez, sendo bom juiz de si mesmo. Implacável, até. Foi, para além disso, um disco que lhe deu o empurrão que lhe faltava, fazendo com que o nosso Jorge passasse a ser adorado por muitos, ao contrário do que vinha acontecendo, que era ser igualmente adorado, mas por poucos. Temos esta ideia como segura, e julgamos que o próprio músico já o verbalizou uma ou outra vez. Sendo então verdade o que dizemos, Voo Nocturno é um álbum de enorme importância. De facto, podemos dizer que se encostou a nós e nós a ele (ao disco, mas sobretudo ao Jorge) de uma forma tão próxima que o grande público ouvinte dos nossos melhores músicos nunca mais o deixou. Ele há milagres assim, e ainda bem. Jorge Palma merece-o, e nós também merecemos tudo aquilo que tem para nos dar.
Voo Nocturno é marcado pela enorme canção que é “Encosta-te a Mim”. Esta afirmação não tem contraditório, parece-nos. Há mais de década e meia que faz parte das nossas vidas. Mas é muito redutor referi-la como se outras não fossem igualmente boas, poderosas, cheias de boas maneiras auditivas, talhadas para entrarem pela porta grande dos nossos corações sedentos de canções eternas. A rádio e a televisão não lhes deram assim tanto destaque, mas como não gostar muito de “Voo Noturno”, que ao embarcarmos nele, não sabemos onde vamos parar? Como não gostar da subtil e gentil “Olá (Cá Estamos Nós Outra Vez)” ou “Abrir o Sinal”, mais um tema onde o piano se destaca de forma maravilhosa. “Gaivota dos Alteirinhos” traz algo de novo ao universo das canções do Jorge, o acordeão. Há momentos (frações de segundos, talvez) que nos podem levar ao imaginário dos Madredeus, o que é algo de muito inusitado na sua discografia, tanto a existente à data do álbum, como a que o músico veio a produzir daí para cá. E, já que mencionamos surpresas, por pequenas ou grandes que sejam, a maior talvez seja a extraordinária “Casa do Capitão”, instrumental rico de nuances, onde o piano e o acordeão de Gabriel Gomes (os Madredeus voltam a ser lembrados aqui, pois claro) são reis e senhores. É um dos melhores temas de Voo Nocturno. “Vermelho Redundante” é Palma clássico em cada segundo, “soneto de alta costura” que assenta perfeitamente em quem a ouça. E, para não tornar exaustiva esta nossa volta por este Voo Nocturno, a curiosidade final reside na faixa derradeira (atenção à hidden track nela escondida) intitulada “A Velhice”, com Palma a piscar o olho a Tom Waits, embora sem o peso dos deliciosos exageros interpretativos do génio de Pomona, Califórnia. É curtinha, depois esperamos um pouco até termos a tal faixa escondida de nome “Sunset Break”, toda ela cantada em inglês, parecendo mais uma demo do que outra coisa.
Voo Nocturno é um disco simples, quase estruturalmente acústico, feito com muita inspiração e bom gosto. A produção do velho amigo Flak (Rádio Macau, Micro Audio Waves e também com carreira em nome próprio) é límpida e transparente, de uma requintada simplicidade, o que acentua a tranquilidade da maioria dos temas. É um dos melhores trabalhos do nosso grande Jorge Palma!