Já o ano de 1993 ia bem alto, quando os Guns N’ Roses resolveram voltar a jogo lançando mais um disco, o quinto da sua curta carreira. O que os Guns não sabiam é que a sua actividade até já estava bem estendida, dado o seu contexto musical à época. Em 1993, o simples facto dos Guns ainda estarem no topo do parecia um milagre. Vivia-se o auge do grunge. As bandas “cool” eram os Nirvana, Pearl Jam, Stone Temple Pilots, Soundgarden, Alice In Chains e não um grupo de hard rockers que parecia ter estagnado no tempo. Quem, para além deles, é que usava aqueles mini calções e kilts e aquele estilo totalmente 80s carregado de azeite? Os anos 90 não estavam para aquilo. Os anos 90 queriam-se depressivos, sem guitar heroes, queriam heróis pícaros, sofridos, e nós queríamos ser o Kurt Cobain e não o Axl Rose. No entanto, os Guns conseguiram o improvável e conseguiram-no não por sorte, mas por mérito. Por ainda acreditarem no rock de estádio do qual a sua formação veio, do punk do final dos anos 70, do hard rock dos 70s e 80s, dos Nazareth, dos New York Dolls ou dos Stooges. Por outro lado, as baladecas épicas criadas por Axl e eternizadas para sempre pelos telediscos da MTV e repetidos no TOP+ ficarão para sempre no imaginário colectivo de quem viveu esse início dos anos 90. A luta não era entre Pearl Jam e Nirvana pela conquista do troféu da banda mais alternativa. Não. A luta era entre estilos, entre gerações de rock. A luta era entre o rock hedonista, perigoso, sujo, a cheirar a gasolina, álcool, drogas, mulheres, bares de snooker, relva de estádio; e o rock cru, de revolta, de indiferença e angustiado. Guns N’ Roses vs Nirvana.
Os grandes contendores chegaram ao seu último assalto em 1993, ambos com o seu disco final. Sim, disco final. Chinese Democracy não poderá ser considerado um disco de Guns tal como nenhum dos discos finais de Doors sem Jim Morrison o podem ser.
Em Setembro desse mesmo ano, a banda de Kurt Cobain lançava In Utero. Era, simultaneamente, o canto do cisne da banda de Seattle e um dos melhores discos da história da música, adicionando ainda mais elementos de fragilidade à condição física e psicológica de Kurt Cobain, e aumentando ainda mais a sua aura de génio sofrido a quem todos auguravam um fim prematuro, parecendo um autêntico “Dead Man Walking”. Poucos meses mais tarde, pela mesma editora Geffen, seria editado The Spaghetti Incident?, dois apenas após o duplo disco-dividido em dois, Use Your Illusion.
Se os discos Use Your Illusion I e II foram um sucesso e originaram uma tour gigante de dois anos que meteu os Guns no Olimpo da música pop/rock da época, o seu sucessor, pós-In Utero, chegou-nos como um produto datado, especialmente porque não tinha saído o rumor de que o disco seria uma compilação de covers de outras bandas. Como se atreveriam os Guns a descer tão baixo? Kurt Cobain esgravatara as suas entranhas, mostrando-as a toda a gente e os sacanas do Axl e Slash, Duff e companhia faziam a “porcaria” dum disco de covers de outros que ninguém conhecia? Que descaramento!!!
Poucos sabem é que a maior parte das músicas de Spaghetti foi gravada durante as sessões de Use Your Illusion, ainda com o guitarrista Izzy, mais tarde substituído por Gilby Clarke, que teve de regravar todas as partes daquele que substituiu. Estas músicas seriam para ser incluídas para formarem um Use Your Illusion épico com três ou quatro discos. Um monstro que a banda não foi capaz de domar, cortando-o em apenas dois tomos e lançando-os separadamente. No entanto, os Guns pretendiam lançar algumas destas covers num EP, como se fosse um escape da longa e cansativa tour. Como sempre, os egos devem ter falado mais alto e a banda convenceu-se que lançando um disco inteiro teria mais projecção e, provavelmente, lhes traria mais dinheiro ao bolso. O tiro saiu-lhes pela culatra. The Spaghetti Incident? foi vítima das maiores críticas, disparadas por todo o lado. Jornalistas odiaram-no. Os fãs detestaram-no. As bandas rivais riram-se na cara de Axl e Slash. A banda desmoronava. A juntar a isto, encontrava-se escondida no fim do álbum uma faixa de Charles Manson, famoso homicida norte-americano. Caiu o Carmo e a Trindade e Spaghetti descia mais um bocado. Podia, mesmo assim, este disco cair mais? Podia. Tinha várias músicas com Duff na voz. Isto não eram os Guns que a geração de 1990 tinha tido a condescendência de aceitar. Dêem-me as baladas “November Rain” e Don’t Cry” mas não me dêem covers com Duff a cantar, mesmo que o disco tenha tido a chancela de Slash como um regresso ao Hard Rock de Appetite.
A banda entraria num hiato imediatamente a seguir. A pressão foi demasiada para a banda. A década dos 90s estava a chegar a meio. O grunge começava a desvanecer e do outro lado do atlântico começava a despontar outro estilo musical, a britpop. Se o Hard Rock já era velho em 91, cinco anos depois estava morto e enterrado. Quem mandava eram os ingleses Oasis, Blur, Pulp, Suede e Radiohead. O espaço para os Guns começava a desaparecer, tal como um peixe que está fora de água há muito tempo. Vários ensaios foram arquivados por não agradarem à banda. E assim, muitas discussões depois, Slash abandonava oficialmente a banda em 1996, alegando diferenças irreconciliáveis com Axl. Era o fim dos Guns N’ Roses enquanto banda clássica. Aos poucos, todos os elementos originais foram saltando do barco até Axl ficar sozinho como timoneiro e com um Chinese Democracy para ser gravado. Era já outro o mundo, e os Guns já não faziam parte dele, tendo tudo começado a desabar em 1993.
Praticamente 23 anos depois, podemos olhar para The Spaghetti Incident? com outros olhos e encontrar nele (ou será melhor dizer fora dele?) uma característica que o fez melhorar com o tempo: a nostalgia. De que outra forma poderia agora bater o pé e sorrir ao ouvir “Since I Don’t Have You”? Em 1993, a música que era considerada um sacrilégio, hoje é um dos pontos fortes do disco. Sim, a idade faz-nos destas coisas. O resto do disco é uma homenagem a todas bandas e géneros musicais que viemos a conhecer e a gostar ao longo destes 23 anos, e que hoje fazem parte de nós, mesmo que a maior fatia dos originais sejam melhores que estas covers. No entanto, Spaghetti Incident ainda é melhor do que 65% dos discos lançados nos dias de hoje…