Na sua 12ª passagem por Portugal, os Franz Ferdinand, com Alex Kapranos como figura central, trouxeram o bom e velho indie rock de volta, mostrando-se mais frescos e dinâmicos do que nas suas últimas actuações. Lisboa agradeceu e saiu bem satisfeita.
A arena do Campo Pequeno esteve praticamente esgotada para ver o regresso da banda escocesa a solo luso. O último concerto datava de 2019, no North Music Festival, sendo que em nome próprio, curiosamente também neste mesmo recinto, havia sido já há 13 anos, altura em que a banda ainda era bastante importante na cena musical daquela época. Hoje em dia, essa é uma realidade bem distante. O indie rock já não mexe tanto como nas últimas duas décadas e poucas são as bandas que ainda são cabeças de cartaz em festivais. Arcade Fire e Arctic Monkeys são as excepções à regra, sendo notório este esquecimento do indie quando vimos Black Rebel Motorcycle Club e Franz Ferdinand tocarem no NOS Alive 2018 a meio da tarde, e talvez por isso tenhamos experienciado, nessa altura, um concerto bastante morno da banda escocesa, algo que temíamos que acontecesse no Campo Pequeno. No entanto, tínhamos a convicção que Kapranos não nos ia deixar mal…
De 2004, ano da sua estreia, até início da década de 2010, os Franz Ferdinand deram-nos sempre grandes discos e, sobretudo, grandes concertos. A banda, composta por Alex Kapranos, guitarrista e vocalista, Nick McCarthy, multi-instrumentista, Robert Hardy, baixista e Paul Thomson na bateria, parecia que estavam sempre em speeds, tal era a vertigem que os seus concertos tinham, como pudemos comprovar claramente no festival Paredes de Coura, em 2009.
Em 2016, após a excelente colaboração com os Sparks, com o projecto FFS, o primeiro golpe atinge a banda de Glasgow. McCarthy, uma força da natureza, e um grande contraponto a Kapranos, resolve deixar a banda por tempo indefinido para se dedicar à família. A sua importância na banda era tal, que foram precisos dois elementos para o substituir, Dino Bardot para guitarra e Julian Corrie nos teclados e guitarra.
Este duro golpe na dinâmica da banda começou logo a verificar-se no primeiro álbum sem Nick, Always Ascending. Um trabalho flácido e pouco memorável, com poucas canções de destaque e, prova disso, é o facto de poucas fazerem parte dos últimos alinhamentos (em Lisboa só a canção título entrou). Nos concertos, sem a dinâmica frenética que anteriormente existia, denotou-se um real abrandamento na velocidade das canções, parecendo mais cansadas do que o habitual. Em 2021 também Paul Thomson abandonaria a banda, sendo substituído por Audrey Tait, a primeira integrante feminina da banda.
Em março de 2022, Kapranos e companhia lançaram Hits To The Head, colectânea que celebra 18 anos de lançamentos dos Franz Ferdinand e isso merecia ser festejado, e qual a melhor maneira de o fazer do que com uma tour mundial, trazendo estes êxitos para serem ouvidos sem restrições algumas. A arena do Campo Pequeno esteve receptiva a estes bons momentos desde o primeiro acorde, não parando por um minuto, tal foi a intensidade que banda trouxe, com hit atrás de hit, em duas horas de concerto muito bem passadas.
Às 23 em ponto, por detrás de um grande pano branco, começaram-se a ouvir os primeiros acordes de “The Dark of the Matinée”, quarta faixa do álbum homónimo e uma das grandes canções da banda. No entanto, algo parecia estranho. O som que vinha do microfone de Kapranos parecia ter problemas, em certas partes até se ouvia mais a voz de Bardot do que do próprio vocalista da banda, mas tudo não passava de uma experiência do escocês, a brincar com a voz. Não correu bem e a canção sofreu com isso.
O mesmo podemos dizer de “No You Girls”, uma das canções que, normalmente, era sempre acelerada nos concertos, mas que voltou a marcar passo ontem. Mais lenta até do que a versão do disco, a canção não satisfez totalmente e temeu-se que podíamos ir começar a assistir a mais um concerto morno da outrora frenética banda.
Era uma falsa partida. Este concerto não era um sprint, mas sim uma maratona e, a partir da terceira canção, “Evil Eye”, a banda começou a encarrilar e a aumentar a velocidade para se preparar para descolar. A partir dessa canção de Right Thoughts, Right Action, logo seguida da canção título do mesmo álbum, Kapranos e companhia começaram a entusiasmar o público que, num Outono mais quente do que o habitual, pedia mais uma cerveja, ritual obrigatório num concerto desta índole.

De seguida, surgiu “Curious”, último lançamento original desta nova colectânea. Terá sido, provavelmente, o momento menos efusivo deste concerto, talvez devido a pouca gente a conhecer e, convenhamos, não ser uma música forte.
Regressando aos clássicos, Kapranos deu os primeiros acordes de “Walk Away”, para logo de seguida ser interrompido para trocar a guitarra. A falsa partida não interrompeu a concentração de Alex Kapranos, que rapidamente começou a cantar uma das melhores canções de You Could Have It So Much Better, mas numa versão mais baladeira, mais parada. Era a última vez que o Campo Pequeno teria um momento pausado. A partir dali, os Franz Ferdinand não mais dariam descanso ao público, agarrando-o pelos colarinhos e encostando-o às cordas, lançando trunfo atrás de trunfo até à estocada final, em que pegaram fogo à arena.
Alex Kapranos largou a guitarra e foi para a extensão frontal do palco, para estar ao pé do público, e com pose e roupa inspiradas na fase Las Vegas de Elvis Presley, o músico escocês, começou a abrir o livro, transformando “Stand on the Horizon”, num hino de estádio.
Se os primeiros morteiros tinham sido disparados, então de seguida surgiu o ataque aéreo, com uma sequência incrível de canções. Senão vejamos: “Do You Want To”, “Michael”, “Darts of Pleasure”, “Love Illumination” e “The Fallen”. Mas se pensam que a banda se preparava para descansar, enganam-se. “Take Me Out”, com uma introdução bem longa, levou ao rubro o público que ainda estava com disposição para ouvir mais.
Seguiram-se a excelente “Ulysses”, primeiro tomo de Tonight, disco mais experimental e negro da banda, para desaguar em “Outsiders”, faixa que termina You Could Have It So Much Better, e onde a banda se deixa levar pela parte mais instrumental, encerrando a canção com toda a gente na bateria e percussão, numa toada mais louca, que era muito o apanágio de McCarthy e Thomson, mas que a nova banda conseguiu igualar nesse momento da noite.
A banda saía do palco mas voltaria rapidamente para um encore de apenas três canções. “Billy Goodbye”, primeiro single da colectânea, lançado ainda em 2021, é uma canção alegre, simpática, mas que não cola muito com o restante setlist, tanto do concerto como da própria colectânea. Aliás, este que vos escreve não é fã de haver canções novas em colectâneas. Parece que são fura vidas e estão onde não pertencem. O concerto estava perto do seu fim, mas ainda faltava entrar uma canção do seu último trabalho de originais, Always Ascending. A canção título é das poucas que se aproveitam desse disco desinspirado e, talvez até não merecesse ter lugar neste concerto, mas a banda não poderia sonegar totalmente esse trabalho que, apesar de tudo, não envergonha. O público não se queixou, seguramente.
Com o relógio quase a bater nas duas horas de concerto, que passaram sem se dar quase por elas, estava a faltar alguma coisa, certamente. Kapranos sabia-o e aproveitou para meter o Campo Pequeno a arder com “This Fire”, numa versão mais longa e com algumas nuances. Entre as tochadas inicial e final, o vocalista e o seu guitarrista, Bardot, entraram numa espécie de duelo com guitarras em vez de armas, num momento mais próximo de uma banda dos anos 70 americana do que indie rock europeia. “This Fire” não desiludiu, pegando fogo à sala toda, queimando tudo em seu redor até à saída de cena da banda.
A saída de Nick McCarthy foi um duro golpe para os Franz Ferdinand, um golpe que não será ultrapassado tão facilmente, parecendo mais que a banda é Alex Kapranos a solo com uma banda a acompanhar. No entanto, entre os concertos de há uns anos e o de hoje, encontramos, como já foi referido, um conjunto mais coeso, mais confiante e com mais pujança. Se a questão das actuações ao vivo já parece resolvida, falta a Kapranos e companhia começarem a fazer novas canções que possam acompanhar estas que nos presentearam, mas, de preferência, num álbum de originais e não numa colectânea, se faz favor…
Fotografias: Hugo Amaral
Alinhamento:
- Dark of the Matinée
- No You Girls
- Evil Eye
- Right Action
- Curious
- Walk Away
- Stand on the Horizon
- Do You Want To
- Michael
- Darts of Pleasure
- Love illumination
- The Fallen
- Take Me Out
- Ulysses
- Outsiders
Encore:
- Billy Goodbye
- Always Ascending
- This Fire