Este disco pode ser a cura de todos os males. Dita assim, a frase encerra uma verdade tão absoluta que nem mesmo alguma desonestidade que nela vai expressa lhe retira o essencial: o novo disco dos Lambchop veio para nos salvar!
Com Flotus tudo muda. Os Lambchop, que tão bem conhecemos há mais de 20 anos, surgem agora com uma linguagem nova, mas a língua que falam é ainda e sempre a mesma: a da qualidade e a do requinte. Só que desta vez os ingredientes usados na feitura do álbum são outros.
Se estiverem à espera de um disco como How I Quit Smoking (1996), Nixon (2000), Is a Woman (2002) ou Mr. M (2012), então o melhor é voltarem a eles, pois o que Flotus propõe não é bem a mesma coisa. A grande diferença, num coletivo que durante toda a sua existência pisou com segurança territórios musicais bem específicos, é a introdução de sonoridades e estilos que não imaginaríamos poderem vir a fazer parte do seu trajeto musical, o que não deixa de ser surpreendente, uma vez que os Lambchop são uma banda que foi teimando (e por vezes teimar é muito bom) em fazer sempre o mesmo disco. Agora, para boa surpresa, Flotus surge como uma trabalho muito elaborado, repleto de texturas e camadas de som que só a eletrónica pode proporcionar. Para mais, apresenta um ambiente jazístico de finíssimo recorte, onde as palavras elegantes de Kurt Wagner (e o som das mesmas) são autênticos instrumentos ao serviço das canções. Como se isso fosse pouco, e acreditem que não é, Flotus mostra-nos ainda um lado krautiano que adoro, reconhecível sobretudo nas composições mais longas, marcado pelos instrumentais ritmos hipnóticos, pelas extensas e repetitivas sequências machine-like à la Kraftwerk meets Neu! and Harmonia. E, num ano onde os discos de kraut que ouvimos não nos deixaram memórias por aí além, é muito bom eleger um trabalho que não pertence a esse género como o melhor desse estilo tão particular. No entanto, convém repetir que Flotus não é um disco de krautrock, embora por momentos se aproxime deliciosamente desse universo sonoro.
Segundo o próprio Kurt Wagner, Flotus é o acrónimo de For Love Often Turns Us Still. Também nos garantiu (ler a mini-entrevista que concedeu à revista Mojo de dezembro) que queria fazer um disco que refletisse a música que a sua mulher gosta de ouvir para que pudesse ter o álbum no seu celular para audições mais ou menos ocasionais. No entanto, e tomando isso como certo, não é de estranhar que algumas das letras cantadas pareçam indiciar a vontade que Kurt Wagner terá tido no sentido de lhe fazer uma certa corte, o que se revela numa inusitada demonstração de enamoramento. Bonito, lindo, maravilhoso! Se a estas delicadezas que estão na base de Flotus lhe juntarmos o charme das suas onze canções, se lhe adicionarmos um certo esgar R&B que o atravessa transversalmente e ainda umas pitadas (saborosas) de vocoders que alteram um pouco a marcante e bem particular voz de Kurt Wagner, então podemos finalmente perceber (e garantir) que temos em mãos um dos mais bonitos discos do ano que já vai findando.
Não conseguimos concluir sobre as melhores canções do álbum, mas arriscamos aqui uma separação de águas: se a vontade for encontrar em Flotus os sons mais tradicionais dos Lambchop, então será “In Care of 8675309” o tema eleito. Se, por outro lado, o coração pender para as novidades que o disco encerra, aí a escolha é bastante mais rica e vasta. “Flotus”, a canção, poderá ser uma excelente escolha (faz lembrar James Blake, por exemplo), assim como “Harbor Country” com as suas brincadeiras eletrónicas, ou ainda “Howe” (com aquelas maravilhosas pinceladas de piano a pontuar a melodia), até se chegar à inevitável “The Hustle”, com os seus dezoito minutos e picos de duração. Um banquete servido com absoluto savoir-faire, portanto. A não perder!