Há dias uma amiga partilhava um tema de Molly Drake: “Happiness”! Que belo tema descobria então e que felicidade senti com tão reveladora descoberta! Inevitavelmente, fui ouvir o álbum donde provinha aquela melodia silenciosa, aquele primeiro raio de sol matinal.
Como a felicidade, também “Happiness”, é um fugaz momento no entanto, podia ouvi-la muitas e tantas vezes quantas quisesse, como fazemos quando nos apaixonamos, porém, como sabemos, não devemos banalizar momentos especiais, sob pena de deixarem de o ser.
Como é o tema de abertura, deixei correr todo o disco e, oh! maravilha das maravilhas!, pois que todas as 18 que se lhe seguiram tinham também elas em si aquela doce melancolia que nos enche o coração.
O álbum de que vos quero falar para que todos possam disfrutar de, pouco mais de, meia hora de puro deleite (já sabemos que a felicidade se revela de forma fugaz) é um diálogo entre Molly e o seu piano, ambos descrevendo com imensa ternura, sem vislumbre de lamechice, numa semântica nostálgica que se serve de motivos naturalistas, o que é a felicidade, o amor e porque é que o amor não é um direito adquirido, a memória do que se perde ou que o tempo nos leva.
Podemos imaginar Molly a sussurrar as suas melodias ao adormecer o filho e percebe-se imediatamente a enorme influência que teve nele, especialmente o tema “Poor Mum” em que a repetição na primeira frase nos remete logo para o timbre e expressão e, enfim, para o estilo de Nick Drake, seu filho. Este “Poor Mum” e “Do You Ever Remember” são duas canções de Molly que surgem na compilação editada postumamente “Family Tree” de Nick Drake.
A, talvez, mais significativa característica deste álbum é a força da sua simplicidade. O poder de concisamente, em poucas palavras, em melodias que raramente excedem os 2 minutos, dizer tudo. Essa frugalidade nota-se quer ao nível da composição para o piano, onde não são necessários cromatismos para preencher ou embelezar, sendo as melodias limpas e absolutas, quer na interpretação vocal de Molly onde a delicadeza, sem sombra de fragilidade, nunca resvala para o desespero apesar de se passear muitas vezes nas suas redondezas sempre com enorme dignidade.
Não há nada de negativo que se possa apontar a nenhuma canção deste álbum, cada uma delas se desvela numa harmonia impecável, a voz, a interpretação, a lírica, o piano, os ruídos caseiros que não passam despercebidos aos ouvidos mais atentos, como a voz do marido de Molly, Rodney Drake, a sussurrar-lhe qualquer indicação, tendo sido ele o responsável pela gravação desta compilação de canções de Molly, de resto, na casa da família Drake em Tanworth-in-Arden nos anos 50.
Este é um álbum que merece ser ouvido em disco vinil, se possível, sem a limpeza artificial do digital.
De lamentar apenas que no tratamento da gravação se tenha substituído o que de caseiro haveria nas passagens de uns temas para os outros por silêncios, separando assim as canções de forma algo fabricada. A compilação Molly Drake é composta por temas inteiramente de sua autoria e as letras, de sua autoria também, merecem a nossa melhor atenção. Foi trabalhada pelo mesmo engenheiro de som que gravava com Nick Drake, tendo sido editada pela Squirrel Thing Records.
Apresenta-se, a quem ainda não conhece, Molly Drake, que faleceu em 1993 aos 77 anos, através deste conjunto de canções elegantes que devemos estimar e ouvir de tempos a tempos e que merece, para terminar citando Molly em “Do You Ever Remember”, que nos lembremos do que não podemos nunca esquecer.
boa, Inês! ;)