A proliferação de tantas bandas em Portugal com afinidade pelo pós-rock daria um sério caso de estudo. Importaria saber o que vêem estes grupos nesta música, não na sua qualidade de fãs – que o serão – mas na sua qualidade de intérpretes. Que existe, afinal, no género que os leva a querer emulá-lo ou adaptá-lo à realidade portuguesa? Que os influenciou a pegar em guitarras e a abandonar outras expressões rock mais físicas, mais directas? Será tudo uma deriva dos Sigur Rós e quejandos, ou terão os Linda Martini, mesmo que neles o pós-rock seja apenas uma das suas muitas facetas, criado uma escola em Portugal?
O website Arctic Drones, num artigo recente sobre a cena pós-rock em Portugal, tentou responder, entre vários exemplos de bandas da actualidade, a algumas destas questões. Dizem eles que na identidade do pós-rock português está a nossa própria identidade colectiva enquanto povo; a da nostalgia e a da intraduzível saudade, a da exploração de outros mundos e a da contemplação solitária desses mesmos mundos e daqueles que partiram. Será possível concordar com isto até certo ponto – há algo de nós, Portugal, em muita da nossa música, e não só no rock (ou no fado).
Serve isto para teorizar um pouco o caminho percorrido pelos First Breath After Coma até este mesmo Drifter, o álbum que lhes tem valido excelentes críticas por parte da imprensa especializada e que lhes tem possibilitado viajar Europa fora com os seus temas na bagagem, naquela que é uma das mais recentes – e saudáveis – exportações musicais portuguesas. Em última instância, são prova viva de que sim, podemos, em que “podemos” significa tanto abandonar o manto de coitadinhos como também afirmarmo-nos enquanto país com música dentro para além da garganta de Amália.
Claro que é fácil a uma banda como os First Breath After Coma partir à procura de uma Nova Europa ou um Novo Mundo. Primeiro, porque o apelo deste tipo de música é, em grande parte, instrumental; segundo, por não fazerem da língua portuguesa, que é ainda e infelizmente um entrave, a sua bandeira. Mas que estes privilégios não nos toldem o raciocínio. Os First Breath After Coma conseguiram – tal qual os Buraka Som Sistema, os Black Bombaim, os Killimanjaro ou as Pega Monstro – viajar porque são mestres na nobre arte de traduzir em som algo que muitas vezes não se consegue explicar: uma emoção, uma vontade, uma raiva ou um beijo. Curiosamente, em Drifter falam todas as quatro línguas.
Algo que é facilmente perceptível em “Salty Eyes”, logo a abrir, com o eco da voz caminhando em paralelo ao buzz que se ouve vindo das guitarras, antes do vaivém melódico elevar a canção ao nível épico tantas vezes exigido pelo pós-rock (e que não se desdenhe o trabalho na bateria, quase hardcore – uma das raízes do género). Não que os First Breath After Coma caiam no cliché de querer ser quase sempre grandiosos como um cometa. Também se destaca a sua subtileza, as pausas para respirar; “Gold Morning Days” fica tão bem complementada pelos sopros que é impossível não nos enroscarmos.
“Blup”, de novo em modo quiet–as loud as possible mostra que o quinteto leiriense aprendeu bem as lições, e “Nagmani” – provavelmente a melhor faixa do álbum – conjuga bem o minimalismo com a emotividade, rebentando depois num ritmo marcial pontuado por electrónica e vozes fantasmagóricas. Até final, os dois tomos de “Tierra Del Fuego” (o segundo dando lugar a uma saudável e repentina urgência noise) e a anti-catarse de “Warmly”, como o sono depois do sonho, comprovam o estatuto dos First Breath After Coma enquanto poliglotas e filhos de bons genes na grande família post-rock. Sem que seja preciso colocá-los num pedestal (ainda faltará muito para isso, e os próprios deverão admiti-lo para poderem crescer ainda mais, sem arrogâncias ou rodeios), está aqui um álbum que merece vaguear pelo mundo.