O Amor. Essa palavra laça e corriqueira, que tanta gente deixa sair da boca para fora, já passou por tudo. Já viu tudo, já conheceu tudo, já foi de tudo. Por que será que ela nos fascina? A palavra…
Morte, Religião, Esperança, Luz e Escuridão. Tudo isso é sensível, tanto nos dedos como na garganta. Tudo isso mexe e remexe com as coisas que nos enchem e dão forma. Tudo isso são fatores que escrevem outra palavra: Vida.
O que é o Amor, então, se todas as coisas que referi também o compõe? Tudo o que faz a Vida faz o Amor. Amor então será Vida. Talvez seja por isso que tanto nos fascina. Se a Vida maravilha, só seria lógico que o Amor também cause a mesma sensação. Eu acredito que sim. Acredito que é por isso que tantos poemas, tantas músicas, tantos quadros, tantas coisas o usam, exploram e glorificam. Uns sabem fazê-lo muito bem, para outros é apenas algo descartável que dá jeito para fechar quadras ou fazer letras rimar. Os Ermo são dos que lhe fazem jus. São os que o absorvem, reinventam e oferecem àqueles que são como eles, àqueles que o entendem. Desta vez mostram tudo o que esse sentimento é através de música boa, através de Amor Vezes Quatro.
Nascido no rescaldo de um excelente primeiro álbum de originais, Vem Por Aqui, este novo EP vem mostrar que quem começa bem tem tudo para continuar a melhorar. A ideia, tal como eles a apresentam, é mostrar precisamente esse sentimento, sob quatro formas distintas. Apenas quatro das milhares que ele pode tomar. Como seria de esperar temos… quatro músicas, todas elas fiéis ao estilo que os demarcou, mas, ao mesmo tempo, diferentes. Não que tenham deixado a eletrónica e tenham abraçado a flauta de pan, nada disso. A diferença de que se fala não é tanto em género, mas sim em maturidade. Tudo soa mais apurado, mais concentrado. Tanto a estrutura melódica, sempre bipartida entre a rudeza bruta dos baixos, que colapsam costelas, e uns samples e apontamentos bem simples e leves, como a lírica rendilhada e altamente poética, mostram maior maturidade, maior concentração. Toda a força que antes explodia a torto e a direito aparece concentrada como um laser.
Começa-se direto ao assunto: «O Amor» é a faixa que abre as hostilidades. Este Amor é o Amor melancólico, o Amor que se perdeu. Levada pela mão de uma precursão digital possante, Costa, no seu jeito maníaco, conta a história de um sentimento que se perdeu e queimou a terra que deixou para trás. Passamos para «Fado Teu», a segunda música de Amor Vezes Quatro. Este é o Amor apaixonado, enfeitiçado: mantêm-se a penumbra escura tão típica dos bracarenses, mas, talvez por a voz soar mais pegajosa, toda a faixa ganha laivos de romance e mel. De seguida vem o Amor pecaminoso, culpado. Quebrando todas e quaisquer barreiras, «Súcubo» surge quase como se não fosse música. É poesia acompanhada por um instrumental imponente, que cresce aos poucos e poucos. É poesia visceral que descreve com uma beleza surpreendente a auto-satisfação sexual. Nunca se fez isto, e isso diz tudo. Ainda atordoados pelo cenário gráfico que ouvimos, chocamos com a última música do EP, «Recreio». Se o Amor anterior já era pungente, chocante, este é o mesmo, mas puxado mais além. Com uma alegria perturbadora, demoníaca, quase, ouvimos a história revoltante de um padre e de uma criança… Acho que não é preciso dizer mais para se perceber do que falo.
Resumindo, tudo isto é mais um passo no processo de crescimento de uma das bandas mais revolucionárias dos últimos anos em Portugal. Chocante e bela, a música dos Ermo, mais propriamente esta que ouvimos dentro de Amor Vezes Quatro, continua irreverente, ambiciosa e revolucionária. Resta-nos agora esperar pelo próximo álbum completo: o EP deixou água na boca.
Oiçam o Amor Vezes Quatro aqui.