A produção musical nacional continua vibrante de vitalidade. Muitos discos editados, muitos novos projectos a aparecer, muita coisa feita no quarto, na escola, no bairro, à distância de um computador, uns amigos e muita vontade. Os tempos que vivemos tiraram o monopólio da edição das mãos dos grandes grupos, e é por isso que, nas nossas escolhas para 2017, temos consagrados e novatos, estreantes e veteranos, confirmações e várias surpresas.
No vencedor – Benjamim aqui em formato colaboração – temos um repetente, já que o seu AutoRádio foi considerado pela redacção do Altamont o melhor disco de 2015. É o segundo artista português a ser distinguido duas vezes pelo nosso site como autor do disco do ano, seguindo-se ao já conseguido por Bruno Pernadas, em 2014 e 2016.
Destaque ainda para as estreias de Surma, Madrepaz ou Slow J, para quem 2017 foi ano de passo em frente e de afirmação. E para Luís Severo, que disputou o título de disco do ano até aos últimos votos.
Por último, duas notas referentes a este top e ao ano que agora termina, no que toca à música nacional.
Em primeiro lugar, destaque para dois discos que, não estando nesta análise, gostaríamos de referir. Falamos de O Horizonte, de Teresa Salgueiro, que nos deixou boquiabertos este ano, embora tenha sido editado no final de 2016, ficando por isso indisponível para esta votação. E Misfit, de The Legendary Tigerman, cuja edição ocorreu já bem dentro do mês de Dezembro, quando a nossa deliberação já estava fechada. Dois discos que, noutras circunstâncias, provavelmente estariam entre os escolhidos.
Por último, falar de música portuguesa em 2017 terá de ser falar dos Xutos & Pontapés, e do nosso querido Zé Pedro, cuja partida nos deixou uma dor que levará muito tempo a passar. Por altura do grande concerto no Coliseu, o Altamont dedicou aos Xutos um amplo e exaustivo Especial, do qual muito nos orgulhamos, bem como da dedicatória que fizemos ao nosso herói da guitarra preferido, e que se tornou no texto mais lido de sempre no nosso site.
Todos os nomes nesta lista são, de uma forma ou de outra, filhos dos pais fundadores que são os Xutos & Pontapés. Que lhes seja feita mais esta simples homenagem.
Tiago Freire

10. Lula Pena
Archivo Pittoresco
Lula Pena voltou, e isso é sempre um acontecimento. Com Archivo Pittoresco muda-se um pouco a geografia sonora, mas o destino é sempre o mesmo: um passeio pelo seu mundo. Misturam-se sons, geografias de sons, misturam-se línguas cantadas e cordas, e parece haver uma consciência cada vez maior que o mundo de Lula Pena não tem fronteiras. Nunca teve, na verdade, mas deixou de ter apenas a outra margem do Atlântico como principal referência, espraiando-se agora, naturalmente, para outras águas, para outras margens. Lula Pena, uma artista que se demora no silêncio do tempo até voltar de novo a ser luz e a ser voz.
9. Duquesa
Norte Litoral
No seu primeiro registo de longa-duração, Norte Litoral, Duquesa, alter-ego de Nuno Rodrigues dos Glockenwise, cumpre a promessa que já fazia no EP de 2014, com um documento refinado de pop soalheira direta de Barcelos. Norte Litoral não é nem tenta ser uma obra-prima, é simplesmente o que vamos precisar de ter connosco quando o sol começar a espreitar por entre as nuvens e as mangas compridas a encolher. Afinal de contas, quantas obras-primas é que se pode decorar a caminho da praia? De Barcelos para o mundo, Rodrigues deu como prenda, em pleno Inverno, o disco que nós nem sabíamos que o nosso Agosto precisava.

8. Surma
Antwerpen
Surma habita um mundo muito particular. Parece viver no limbo que existe entre o sonho e a realidade. É nesse trilho indefinido que Débora Umbelino (o nome de batismo por detrás de Surma) construiu Antwerpen, primeiro longa duração de um projeto que tenta conquistar o seu espaço há já algum tempo e que parece ter, neste álbum, o seu primeiro momento de grande afirmação autoral. Esta one-woman-band não engana. A etérea beleza de «Drög», de “Hemma”, de “Kismet” ou de “Saag” são a prova de que a música nacional caminha em terrenos firmes, diversificada e original. Surma não é apenas mais um nome que se afirma. É mesmo uma das mais interessantes vozes da nova geração made in Portugal.

7. Ermo
Lo-Fi Moda
Volvidos quatro anos após Vem Por Aqui, António Costa e Bernardo Barbosa regressam para o lugar de respeito que lhes fora reservado já na época de lançamento do seu álbum de estreia: mas agora, já não trazem consigo a humanidade que transparecia em letras de amor e faces de ícones portugueses. Maquinando o produto original, transformam-se em figuras escondidas no anonimato das máscaras escuras por de onde se escondem. Os Ermo trazem-nos um álbum de pop eletrónica, que nos apresenta uma ocorrência rara no panorama nacional: fazer música não como quem vai olhando para trás, mas como quem olha, com todas as certezas, em diante.

6. Slow J
The Art Of Slowing Down
The Art of Slowing Down foi um dos discos mais aclamados de 2017 e um marco na história do hip-hop nacional. Slow J ouviu, estudou e cumpriu. O produtor que chegou ao panorama musical nacional em 2015, enquanto engenheiro de som nos estúdios Big Bit, assegurou-se que a primeira parte deste ano do rap ‘tuga era sua. Slow J garante que The Art of Slowing Down não tem lugar nas prateleiras de rap ou hip-hop, mas sim da música nacional, mas tem bem definida a ideia daquilo que quer para a sua música: canções pensadas e bem trabalhadas que transmitam uma mensagem, por muito particular que possa parecer.

5. Pega Monstro
Casa de Cima
Casa de Cima traz canções menos directas (quase metade dos temas – três em sete – dura mais de seis minutos, quando no antecessor Alfarroba eram poucas as que se prolongavam além dos 4 minutos) e um maior experimentalismo nos temas, onde se exploram agora vários andamentos. A intensidade e o nervo ainda lá estão mas mais doseados, intercalados com melodias mais calmas e uma limpidez crescente no canto. No fundo, em Casa de Cima ouve-se o que os concertos das Pega Monstro já indiciavam: que Júlia e Maria Reis estão mais interessadas em renovar fórmulas e fazer de cada disco uma viagem do que em reunir um conjunto de singles (não se encontram facilmente aqui) reminescentes do punk e garage-rock. A reinvenção saúda-se e o resultado não desilude. Brinde-se com “Amêndoa Amarga” porque também ela já deixava antever o futuro.
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4. Madrepaz
Panoramix
Panoramix partilha a sua matriz com Pesar o Sol, dos Capitão Fausto. Mas há algo que nos prende a atenção do que apenas “mais” um disco revivalista de rock psicadélico. Aqui conseguimos encontrar uma alma cheia e sentida, onde os nossos sentidos nos projetam não só para viagens espaciais, mas para incursões pelas selvas tropicais, por florestas negras europeias, por campos de trigo ou por vielas e ruas iluminadas numa qualquer noite citadina. Mas, acima disso tudo, está uma viagem pelo próprio ser, quase como uma viagem cósmica da nossa ligação a este mundo. Uma maneira de reflectir sobre os nossos passos e sobre o quão precisamos de dar atenção às nossas várias fases da vida, pois são elas que nos moldaram e continuarão a moldar no futuro.

3. Orelha Negra
Orelha Negra
Ao terceiro disco, os Orelha Negra afastaram-se dos loops orelhudos, fáceis, cirurgicamente desenhados para a rádio, para fazer dançar. Sem nunca passarem a fronteira para a música avessa ao circuito comercial, arriscaram e, sem grande surpresa, voltaram a ganhar. Mais que um dos discos do ano, ao terceiro álbum os Orelha conseguem o seu lugar entre as grande bandas da história cá da terra. As que ocupam os nossos principais palcos, as que asseguram a festa de encerramento de festivais pejados de nomes internacionais, as que nos fazem esperar por mais, indiferentes a calendários, formatos ou demais regras. Essas são para quem não tem talento que permita evitar a etiqueta imposta aos mortais. Eles têm-no e a sobrar. Dúvidas? É virar o disco, baixar a agulha e subir o volume.
2. Luís Severo
Luís Severo
Em apenas oito canções, Luís Severo afirma-se como certeza cada vez maior da música nacional. Um disco simples, que parte da estreita relação entre piano e voz, mas rapidamente levanta voo e faz uma ponte entre a Lisboa de hoje e de há 40 anos. Nesta meia hora de canções, Luís Severo dá mais um passo num percurso que se adivinha bem sucedido. Não é fácil destacar-se, num cenário em que há cada vez mais gente a fazer e lançar música, mas Severo começa a reclamar um lugar próprio. Seguindo uma estética própria – muitas vezes borrifa-se no formato tradicional de verso/refrão – tem o sentido melódico bem afinado e escreve com tal honestidade que nos desarma.
1. Benjamim & Barnaby Keen
1986
Foi um amor em comum por um disco de Chico Buarque que juntou o português Benjamim e o inglês Barnaby Keen há uns quantos anos, que criam agora a meias 1986, um disco soalheiro regado de influências luso-brasileiras e anglo-americanas que só poderia ter conhecido a sua estreia no Festival Músicas do Mundo, em Sines. Nele, encontramos oito canções de pop orelhuda que se ouve da mesma forma em Londres ou em Lisboa, percebendo ou não o que canta ora Benjamim, ora Keen, pintadas com as mais diversas influências, desde o rock direto dos anglo-americanos ao samba descalço dos brasileiros.
Redacção: Ana Lúcia Tiago, Alexandre R. Malhado, Alex Pires, Beatriz Negreiros, Carlos Lopes, Cátia Simões, Diogo Barreto, Diogo Lopes, Diogo Montenegro, Duarte Pinto Coelho, Filipe Garcia, Francisco Fidalgo, Francisco Marujo, Francisco Pereira, Frederico Batista, Gonçalo Correia, Inês Dias, Joana Canela, Luís Marujo, Mafalda Piteira de Barros, Marta G. Silva, Miguel Moura, Pedro Primo Figueiredo, Ricardo Romano, Tiago Freire.