Dia final do Paredes de Coura de 2018 teve um pouco de tudo, e acabou em bonita festa dos Arcade Fire.
Último dia em Coura, como sempre hora de arranque é às 18h no palco VodafoneFM, como sempre é uma banda portuguesa a ter essa honra. Desta feita os Keep Razors Sharp foram os nomeados, e agarraram essa tarefa com unhas e dentes. Mesmo com um revés de última hora, causado por uma queda de Rai que necessitou de morfina para aguentar as dores. Dor também podia ter sentido um espectador caso não tivesse bons reflexos, agarrando no ar um pedal atirado para a audiência por Afonso. Vicissitudes à parte, a banda terá disco novo para breve e lançou uma musica que irá estar no mesmo, para além dos já bem conhecidos “Lioness” e “By The Sea”.
Em dia de lotação esgotada, a encosta está cheia a escutar o registo soul de Myles Sanko, que quer espalhar amor pelo Taboão. No palco secundário decorre o concerto de Dear Telephone e há alguns curiosos por lá a deambular, mas com ar de pouco convencidos com a sonoridade da banda de Barcelos. Talvez fizesse mais sentido terem sido eles a abrir o palco por troca com os Keep Razors, mas organização à parte, concerto morno.
Às 19:40, no palco Vodafone, Curtis Harding iniciou o seu ritual. A sua música encontra-se algures entre o revivalismo do rock de garagem dos anos 60 (a banda assina pela Burger Records afinal de contas) com a soul de Marvin Gaye e uma pitada de Funkadelic. A presença xamânica de Harding é intoxicante e as roupagens jazzísticas das suas músicas afastam-nas dos clichés tipicamente associados ao rock de garagem. Outro fator que confere diversidade ao som do grupo é o multi-instrumentista Jeremy Gale que, seja com o clarinete, saxofone ou teclado, acrescenta exotismo a todas as músicas. Como não poderia deixar de ser, o concerto acabou com “I Need Your Love”, a sua música mais conhecida. Entregues a palheta e as baquetas ao público, o ritual pode dar-se como terminado.
Mais tarde, os Big Thief tornaram o anfiteatro do palco Vodafone num local muito mais pequeno e íntimo. As músicas simples e orelhudas cantadas por Adrianne Lenker, cuja voz lembra Angel Olsen em certas passagens, revelam uma ligeira influência do country e folk americano. Algumas canções de Capacity, como “Mary” ou “Mythological Beauty”, contém melodias que devem mais ao country que ao indie pop. Ao longo do set foram introduzidos alguns momentos de experimentação como um solo à base de feedback ou um longo drone a servir de introdução a alguma música. Entre canções Adrianne Lenker mostrou-se amigável com o público e genuinamente intrigante, perguntando se alguém se lembrava do seu nascimento, e lamentando a ausência do outro guitarrista da banda, Buck Meek. A estreia dos Big Thief em Portugal foi, sem dúvida, triunfante.
Aos Dead Combo coube a árdua tarefa de entrar antes do nome grande do festival, o que bem sabemos não ser pêra doce. Nas filas da frente acumulavam-se jovens já só a pensar em guardar lugar para Arcade Fire. Mas a banda portuguesa mostrou-se à altura, em formato big band com Quintino no contra-baixo, Gui e Gonçalo Prazeres no saxofone e o sempre incrível Alexandre Frazão na bateria. Não podemos deixar de dizer uma palavra sobre a notícia da doença de Pedro Gonçalves, que em Coura se mostrou resistente, resistência essa que esperamos que continue por longos anos. A tour do recente Odeon Hotel trouxe a Coura toda a capacidade incrível que cada um destes músicos tem, Tó Trips faz da guitarra gato sapato, Frazão em solos de bateria de sonho e o público deixou-se conquistar por “Deus me Dê Grana”, “Rumbero” e pela saborosa história dos “Lusitânia Playboys”. Mais para a frente, a entrada em cena de Mark Lanegan, persona histórica do grunge, que atravessou o Atlântico só para estar ali uns minutos fez o concerto subir mais um degrau, tendo a final “Lisboa Mulata” colocando tudo a mexer.
Passava pouco da uma da manhã quando irromperam em cena Win, Régine Chassagne, William Butler, Richard Reed Parry, Tim Kingsbury, Jeremy Gara, Sarah Neufeld, Tiwill Duprate e Stuart Bogie (uma equipa de futebol, praticamente) para dar vida à parafernália de instrumentos e aparelhos que enchiam o palco. No fundo esta é a grande magia da banda canadiana, agarrar em tantos elementos, conjugá-los e dar-lhes uma dimensão sobre-natural. Com um público devoto conquistado à partida, o setlist foi uma amostra equilibrada do seu portfolio, passando por músicas de todos os álbuns. Sentindo-se, claramente, o embate quando entravam as do recente Everything Now, as grandes músicas desfilaram uma atrás da outra, “Neighborhood #3 (Power Out)”, “Rebellion (Lies)”, “No Cars Go”, “Intervention” (dedicada a um tal de Donald Trump), “Ready to Start”, “Sprawl II (Mountains Beyond Mountains)”, “Reflektor” (com Régine a irromper no topo da regie para dançar), “Afterlife” (que terminou com laivos de “All My Friends”). Depois regresso para o encore, de onde só poderia mesmo sair “Wake Up”, catártica como sempre, cantada em plenos pulmões encosta acima. O conjunto de Win, Régine e comparsas não sabe dar um mau concerto, energia em palco a rodos e um registo próximo de uma cerimónia religiosa, mas há que admitir que passar de um “No Cars Go” para um “Electric Blue” é o anti-tesão total. Para quem conseguiu perdoar-lhes essa pecha, a festa foi bonita.
Enquanto os Arcade Fire tocavam lá em baixo, os Ermo deram vida ao seu excelente Lo-Fi Moda num concerto dilacerante, passando o álbum em revista. Samples distorcidos, beats abrasivos e vocais com auto-tune dominam a música do duo. Em palco as canções adquirem uma maior dimensão, tornando se mais viscerais. O facto de haver um número considerável de fãs a cantar as músicas ilustra o quão aclamado o grupo se tornou no último ano.
Encerramento de hostilidades foi feito com confetis e balões, ao som de “All My Friends”. Será que teremos LCD Soundsystem em 2019?
Texto: Miguel Moura e Alexandre Pires || Fotografia: Inês Silva