Isto de se ser filho de um músico famoso, tem os seus custos. Se nos referirmos a Dylan Howe, é mais do que certo que a primeira coisa que vem à cabeça daqueles que sabem algo sobre música, é o nome do pai, o grande guitarrista da banda Yes. Steve Howe deixou um grande e importante legado no mundo do rock progressivo, pelo que se entende essa referência (quase) obrigatória. No entanto, o filho Howe tem trilhado um caminho seguro e bem distinto de muitos dos álbuns prog do pai, e merece que o seu nome apareça livre dessa proveniência, se é que me faço entender. Dylan Howe tem um percurso seguro no mundo do Jazz e já lançou vários discos em nome próprio, todos eles muito bem recebidos pela impiedosa crítica do meio jazzístico. É um excelente baterista, com sentidos rítmicos e melódicos de exceção. No ano que passa, mais propriamente a 7 de julho, Dylan Howe deu corpo físico a um projeto que o acompanhava desde 2007, mas que só agora pode ser apreciado na sua totalidade. Chama-se Subterranean: New Designs On Bowie’s Berlin, e é sobre este espantoso registo que escreverei as próximas linhas deste texto.
Como o título indica, Dylan Howe mergulhou profundamente em dois dos discos do período berlinense de Bowie, mais concretamente em algumas das faixas instrumentais de Low e “Heroes”, trabalhos de enorme importância artística para a carreira do músico inglês. Convém salientar que este mais recente longa duração de Dylan Howe é um disco de Jazz. É-o profundamente, até à medula, e por isso, por vezes, quando ouvimos as faixas que dele fazem parte, é bem possível não haver reconhecimento imediato das composições originais. Subterranean: New Designs On Bowie’s Berlin não é um disco de versões. É mais do que isso. A liberdade interpretativa da linguagem do Jazz permite um certo tipo de transformação que, eventualmente, mais nenhuma outra linguagem conseguirá fazer tão bem. Mas é certo também que os fãs de Bowie, e sobretudo aqueles que, como eu, elegem essa sua fase berlinense como a mais conseguida e a mais estimada (abrindo espaço para o disco Station To Station, o meu preferido, gravado em Hollywood, California, antecessor da trilogia de Berlim), conseguirão com alguma facilidade identificar muito bem aquilo que vão ouvindo. São 9 as composições escolhidas: “Subterraneans”, “Weeping Wall”, “Art Decade” e “Warszawa”, todas retiradas de Low, e “Neukoln” (esta com a particularidade de aparecer em dois momentos distintos, apelidados de “Night” e “Day”, respetivamente) e “Moss Garden”, de “Heroes”. Há ainda, para completar o conjunto, os temas “All Saints” e “Some Are”, ambos surgidos apenas na edição de Low feita pela Rykodisc, em 1991. “Some Are” foi ainda escolhida como parte da Low Symphony, de Philip Glass.
De todos estes maravilhosos momentos, aquele que mais me toca é “Subterraneans”, que depois de uma entrada algo sinistra, abre-se num caminho de pura luz, envolvendo o ouvinte numa espécie de lençol de som mágico e depurante. É, aliás, a faixa que abre o disco, mostrando de imediato alguns dos ingredientes que estão na base do seu particular feitiço. Todas as 9 faixas são superlativas, e louvo-as aqui não só pela forma como se apresentam trabalhadas, mas também pelo génio da dupla Bowie / Eno, que as compuseram nos finais dos anos 70 do século passado.
Os sons de Dylan Howe na bateria, de Ross Stanley no piano / sintetizadores, e de Mark Hodgson no contrabaixo dão a este Subterranean: New Designs On Bowie’s Berlin uma coloração jazzística muito especial, ao ponto de o considerar, passados que estão já mais de metade dos meses de 2014, um dos meus discos do ano. Sou capaz de o ouvir, e digo-o por já o ter feito em várias ocasiões, todo de seguida e em repeat, sem o mínimo incómodo. Antes pelo contrário. O disco vai crescendo a cada audição, e vou encontrando matizes e pormenores de interesse surpreendentes sempre que o ouço uma outra vez. É disto que se fazem os grandes clássicos, e este Subterranean: New Designs On Bowie’s Berlin ocupa já um lugar privilegiado nessa minha galeria de estimação absoluta.