July, lançado em Fevereiro do presente ano, é mais um álbum de Marissa Nadler e é, ao mesmo tempo, mais que isso. July marca a sua estreia na editora Sacred Bones (que, este ano, com os discos de The Men e Amen Dunes, já lançou alguns dos bons álbuns de 2014) – e se Marissa Nadler diz que não houve nessa mudança qualquer influência para a sua música, a sua “contratação” é suficientemente indicativa.
Com 33 anos, este é já o seu sétimo disco, o que ganha contornos especiais dada a regularidade com que, desde os 23 anos (portanto, 2004), compõe e interpreta música de qualidade – talvez à excepção do penúltimo álbum, que, não sendo um fracasso, não terá cumprido as expectativas dos fãs.
É também por isso que July é especial: marca o regresso aos discos a que nos habituou, lírica e instrumentalmente inspirados, e que atiram para trás das costas um período complicado da sua vida, que envolveu problemas de bebida e uma relação terminada.
Estes factos, dignos de capa em algum tablóide nacional caso Marissa Nadler fosse a rockstar que não é, pouco teriam de relevantes por si só. É, porém, na forma como (se) reflectem (n)a sua música que os refiro.
Este é mais um disco semelhante ao que Marissa Nadler nos foi habituando: melodias sombrias e densas (mais fantasmagóricas que sonhadoras, como regularmente as rotulam) e histórias de “personagens” semi-ficcionais misturadas com relatos confessionais – mas relatos desapiedados e que, pela sonoridade melódica, nos fazem ver em Marissa Nadler não uma singer-songwriter dorida, a cantar os problemas amorosos banais em baladas lacrimejantes, mas uma personagem ela mesma: misteriosa, fantasmagórica e contraditória.
O que aqui ouvimos é, em certa medida, a folk contaminada pelo rock de forma intimista. Há referências, claro: os dedilhados de guitarra acústica soam clássicos e contidos (não é à toa que se diz fã de Townes van Zandt, que John Fahey é apontado como uma das suas referências, que tem em Joni Mitchell um ídolo ou que já fez um belo cover de “Famous Blue Raincoat”, de Leonard Cohen). A sua voz, por sua vez, soa cada vez mais afinada e bela, e tudo isto é contaminado (ou, talvez, antagonizado) por um som propositadamente nebuloso (digamos desta forma: é uma Lana Del Rey intimista e com fantasmas com que se ocupar).
Embora o álbum funcione bem como um todo (tanto em termos líricos como instrumentais, há um trabalho que se sente fazer sentido estar reunido), existem vários pontos fortes. A primeira canção, “Drive”, é um deles, e mostra logo ao que vem esta figura de culto semi-desconhecida – o refrão a fazer-se com os versos «Nothing like the way it feels/to drive» (e o “to drive” é prolongado, a acentuar ainda mais esse caminho que se percorre e percorre, que faz a solidão parecer eterna e bela), os já referenciados problemas de bebida a serem abordados («Used to drink more than you could/waiting for the light»), atirando-os a um destinário que é a própria (esse jogo de quem é o “eu”, o “tu” e o “ele/ela” faz parte da teia narrativa de Nadler). Já dizia Rimbaud: «Je est un autre.»
“Dead City Emily”, também da primeira parte do disco, é outra das canções que provavelmente perdurarão (pelo menos para os fãs de Nadler) – ouve-se uma voz espectral a cantar esperanças e a destruí-las quase em simultâneo, com um sintetizador que entra e se prolonga agudizando a melancolia.
Acrescento ainda “Anyone Else”, uma canção que tanto é desilusão quanto resignação («All the years I’ve held you close/you should’ve been somebody else, I know»), onde maduramente atira críticas que chama de volta – é como se fosse também sua a responsabilidade das ilusões que descambam, e a dado momento só se ouve o lamento da guitarra acústica com vozes que a assombram.
July é um disco que resulta de uma maior maturidade: é ainda mais belo, profundo e vivido que os anteriores. É a folk tratada de uma forma clássica, é certo, mas não datada. E se há discos recentes que não têm tempo, instrumental e ideologicamente falando, este é um deles.