Já começa a ser uma tradição nossa. O Altamont tem, desde há algum tempo, mostrado grande interesse pelo novo som feito no Brasil, e os frutos dessa aproximação já se fizeram sentir algumas vezes, tanto presencialmente (Boogarins, em concerto e confraternização posterior com alguns membros do Altamont), como por via virtual (sendo os Carne Doce o último bom exemplo do que dizemos). Desta vez deixámos Goiânia, de onde são as bandas já referidas, e pousámos na cidade maravilhosa para conhecermos uma recente banda de nome estranho, carregada de algumas particularidades bem interessantes. Chama-se Dônica e é esse o grupo que reúne José Ibarra (teclado e voz), Lucas Nunes (guitarras), André Almeida (bateria), Miguima (baixo) e Tom Veloso (filho mais novo de Caetano, espécie de outsider da banda, uma vez que apenas funciona nela como compositor).
Feita uma primeira investida na net e nas canções que a banda já foi deixando para audição nessa imensa rede global, facilmente nos apercebemos serem fãs de rock progressivo, em particular de Pink Floyd, Supertramp, Yes, Emerson Lake and Palmer, mas também de Mutantes, Caetano e de todo o universo ligado ao Clube da Esquina, disco marcante da MPB do século passado, clássico de todos os tempos presentes e futuros, sobretudo na sua primeira encarnação. Milton Nascimento, figura central desse movimento mineiro é, ele mesmo, o padrinho da banda. Ouvidas algumas das canções do grupo, é impossível não encontrarmos nelas ecos muito próximos daquele universo musical, que tanta qualidade trouxe à música brasileira. Nomes como o do já mencionado Bituca, mas também os de Lô Borges e Márcio Borges habitam na génese da banda, embora inflada de um sopro prog que os leva a diversos patamares sonoros, todos eles muito interessantes. Que a banda Dônica vai ter um futuro risonho, disso não temos a mínima dúvida, e por isso é com muito orgulho que apostamos neles, e aqui lançamos aquele que será, muito provavelmente, o primeiro texto apreciativo das suas aventuras sonoras escrito em Portugal.
O EP começa com «Macaco no Caiaque», tema vibrante, cheio de força, melodicamente irrepreensível, estilosa e solarenga. A letra, de pendor narrativo, não deixa de ser curiosa, quando ouvida com a devida atenção. No entanto, «Macaco no Caiaque» parece ser a canção menos próxima do adn musical da banda. Segue-se «Bicho Burro», e a bonita introdução do teclado e da voz de João Ibarra fazem desde logo perceber a grande canção que aqui temos. Novo destaque para os versos cantados, e para algum pendor sinfónico lá mais para o meio da canção. Depois vem «Casa 180», e há por aqui algo que me faz lembrar o Caetano dos anos 80, sobretudo em alguns instantes do tema. É fresca, cheia de swing, gingona, a apetecer praia e verão, amigos e uns bons copos de cerveja a estalar. O piano, que por vezes se ouve em brevíssimos momentos, lembra o génio de Tomás Improta, da inesquecível A Outra Banda da Terra, que durante tantos anos acompanhou Caetano Veloso em discos como Outras Palavras, Cinema Transcendental ou Cores, Nomes. Finalmente, pois é de um EP de quatro temas que se trata, o disco fecha com a musculada «Praga», cheia de energia e com bons solos de guitarra. O que se ouve em Dônica é surpreendentemente novo, e embora não rejeitando influências musicais do riquíssimo passado da MPB, mistura as já referidas idiossincrasias progressivas, resultando tudo isso num EP de enorme qualidade. Bons temas, boa competência instrumental, boas letras e excelente voz, a de João Ibarra. Na sombra, como também já se deu nota neste texto, está o filho mais novo de Caetano, o que não deixa de ser algo fora do vulgar no contexto de uma banda.
Ao que parece, no primeiro semestre de 2015, teremos o primeiro longa duração. Terá lugar garantido no Altamont, sem a mínima dúvida. A avaliar pela amostra deste EP, teremos disco a ter em grande conta. Resta-nos esperar.
mais um óptimo som vindo do rock brasileiro