Andei à procura da cassete e não a encontrei. Não há discos à venda e não está no Spotify? Ataquei o Youtube. Passados 28 anos, voltei a encantar-me com o disco e descobri que, na minha cabeça, a doninha não precisa de voltar. Nunca de lá se foi embora…
Durante a segunda metade dos 90, o álbum de estreia dos Da Weasel, Dou-lhe com a Alma, foi presença assídua na aparelhagem lá de casa e no meu walkman (fiel e saudoso companheiro). Entretanto, as cassetes foram ficando para trás. Não sendo fácil encontrar o CD à venda, e estando arredado do Spotify, os nossos caminhos têm-se afastado.
Este exercício de olhar para o reencontro com um velho amigo assumiu assim uma dimensão de teste do tempo. Confesso que parti para este exercício cheio de dúvidas. Será que envelheceu bem? Será que é uma obra demasiado datada? E se encontro tantos defeitos que me arrependo da empreitada?
Dou-lhe com a Alma saiu em 1995, pela independente Dínamo Discos, criada pelo Manuel Faria dos Trovante. Sim, é um disco datado, transpira nineties por todos os poros, e isso não é defeito, é (bom) feitio…
A década de 90 foi a era de ouro da indústria musical nacional. Um considerável crescimento do volume de vendas de discos (leia-se, CD) provocou também um boost no investimento e na procura das next big things à escala nacional. Estavam assim criadas as condições ideais para que bandas como os Da Weasel pudessem singrar.
É neste contexto que Manuel Faria recruta a dupla Ricardo Camacho e Amândio Bastos para assegurar a produção de Dou-lhe com a Alma. Passadas mais de duas décadas, a estética envelheceu bem: a forma é fluida e equilibrada e o lado orgânico da parelha groove funk (formada pela guitarra de Pedro Quaresma com o baixo de João Nobre) casa-se na perfeição com os beats maquinais de Armando Teixeira.
Louve-se igualmente a mistura ao nível dos vocais. Começando pela versatilidade das rimas de Pacman, ora mais agressivas (“Adivinha quem voltou”; “Dou-lhe com a Alma”), ora mais compassadas (“Só a ti”); continuando com a timidez da DJ Yen Sung; e acabando na fluidez dos convidados especiais – BMG, em “Educação (é Liberdade)” e Boss AC no tema-título.
Mas a influência dos anos noventa transcende essa dimensão mais material e espalha-se pelo lado artístico. A primeira década vê o alternativo ou o estranho tornar-se mainstream. Nevermind, Black Album ou Use Your Illusion atingem vendas estratosféricas. Bandas de fusão como os Red Hot Chilli Peppers, Faith no More ou Jane’s Addiction saem da penumbra e ganham adeptos. O Hip Hop vive a sua golden age!
É, portanto, no meio deste cenário de abertura de ouvidos e mentalidades, e de um fabuloso caldo de influências, que a doninha nasce – não só na sua dieta musical, como nos primeiros projetos dos seus membros: o funk metal de Braindead (João Nobre) e Lesma (Quaresma), o death metal de Thormentor (Quaresma), o metal industrial dos Bizarra Locomotiva (Armando Teixeira) e a eletrónica da DJ Yen Sung.
Voltando ao reencontro com Dou-lhe com a Alma, o disco continua a soar a hip hop e o facto de ter sido feito por uma banda que sai (e muito) do formato “dois gira-discos e um microfone”, só vem reforçar o seu caráter e riqueza. Nesse sentido, e com a exceção do quase corpo estranho “Right On”, arrisco a defender que os discos seguintes tendem a respeitar mais essa dimensão híbrida e de fusão da banda do que este seu primeiro.
Durante estes mais de 25 anos, pude ouvir muita música, assim como fui ganhando algum cinismo. Regressando ao disco, descubro sinais de Beastie Boys, como na letra de “Confirmar” – cause you can’t, you won’t, and you don’t stop – ou no riff e no ataque de rimas do tema-título. Sucede o mesmo com os Urban Species, com pegadas inegáveis em “Educação (É Liberdade)”.
Por outro lado, não consigo deixar de pensar que estes sinais são apenas convergentes com a história da criação musical, e que só demonstram o bom gosto da banda. Serão, no máximo, migalhas deixadas pela inocência de artistas em fase de desenvolvimento.
Exploremos então uma das grandes marcas do disco – a inocência!
A páginas tantas (a 132, para ser mais exato) do recém publicado livro de memórias “Da Weasel – Uma Página da História”, de Ana Ventura, Carlos Nobre defende que “a ingenuidade na música é uma coisa boa porque não te castra, porque não te censura”.
De acordo ainda com os relatos deste livro, Manuel Faria terá convencido a banda a começar a escrever em português, abandonando o inglês utilizado no primeiro EP. Penso que será consensual considerar que esta foi a transição que ajudou a moldar o percurso dos Da Weasel. E bastará, para isso, comparar o conteúdo lírico das duas músicas em inglês presentes no disco – o já referido “Right On” e o mítico, sobretudo pelo entusiasmo criado quando tocado ao vivo, “God Bless Johnny” – com as restantes.
Pacman abraçou o novo desafio com a ingenuidade de quem aos 20 anos já tinha vivido muito e coloca nas rimas a sua verdade. Voltando ao teste do tempo, as repetidas (re)audições permitem descobrir algumas, mais do que naturais, rimas forçadas e outras demasiado circunscritas a 1995 – No NOS Alive, o Ronaldo entrou para o lugar do João Pinto, a título de exemplo!
Permitem ainda reparar que Pacman tende a explorar as suas ideias e vivências em temáticas compartimentadas nos diferentes temas – como a diversidade cultural e a cidadania em “Educação (é Liberdade)”, a droga em “Ressaca”, a religião em “O Meu Deus” ou o amor em “Só a ti” -, em jeito de Manual de Fuga a uma Vida Banal. Manual que assumo, com orgulho e nostalgia, ter consumido à exaustão e tentado seguir no início da minha vida adulta.
Veredicto: Dou-lhe com a Alma parece-me datado, e ainda bem! Ainda assim, envelheceu com classe, o groove continua a fascinar e a mensagem continua significativa! Voltar a ouvir este disco reforçou a ideia de que continuará ser um dos álbuns da minha vida e que depressa voltarei à caça nas lojas de discos usados…