John Wesley Harding é um disco belíssimo, embora um pouco fora do radar daqueles que não conhecem muito bem a obra de Dylan. Neste Especial, o destaque que lhe é dado justifica-se plenamente. Aqui para nós, é mesmo um dos melhores!
Poucos esperavam um novo disco de Bob Dylan nos últimos dias de 1967. No entanto, foi exatamente isso que aconteceu, a 27 de dezembro. Depois do estrondoso Blonde On Blonde (1966), e no ano em que saíram álbuns como Velvet Underground & Nico (The Velvet Underground), Are You Experienced (The Jimi Hendrix Experience), Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (The Beatles), The Piper at The Gates of Dawn (Pink Floyd), Easter Everywhere (The 13th Floor Elevators), Forever Changes (Love) ou Their Satanic Majesties Request (The Rolling Stones), todos eles com significativas marcas de um psicadelismo crescente e triunfante, Bob Dylan resolveu fazer um disco completamente terra-a-terra, em contramão com o tempo e as modas, sem qualquer rasgo sonoro que pudesse colocá-lo em diálogo (ou proximidade, sequer) com os trabalhos aqui mencionados. Depois da tão propalada queda, enquanto conduzia a sua motorizada pelas sinuosas estradas de Woodstock, Bob Dylan apresentou-nos um disco diferente daquele que, eventualmente, se julgaria que fizesse, mais cedo ou mais tarde. Dá pelo nome de John Wesley Harding e é, para poucos, estamos em crer, um dos seus melhores trabalhos de sempre. Ou, pelo menos, não será o que mais rapidamente vem à cabeça dos apaixonados pelo cantautor, quando lhes pedem que digam qual o preferido álbum do “bardo judeu romântico de Minnesota”. Sendo tudo isto verdade, é mesmo esse o disco eleito de quem escreve estas breves linhas de texto.
John Wesley Hardin (e não Harding, como Dylan grafou de forma errada) foi um famoso criminoso do velho oeste americano, com a dupla particularidade de ter ficado na história como um dos maiores assassinos de todos os tempos, muito por via de ser tão rápido quanto Lucky Luke no gesto de pressionar o gatilho, mas também por ser amigo dos pobres. Dylan apresenta-o desta forma: “John Wesley Harding / Was a friend to the poor” e é assim que abre o disco em apreço. Muito básico nos seus princípios instrumentais, como já havíamos dito, o álbum soma temas atrás de temas que vão ficando cada vez mais estabelecidos nos nossos gostos, assim os coloquemos em repeat, que é a melhor maneira de quebrarmos a eventual barreira entre nós e qualquer disco que ofereça (e este é ocaso) uma qualquer ponta de interesse pouco definida, um brilhozinho que não se sabe bem de onde vem, numa primeira e elementar audição. Quando entramos no folk-country-rock de John Wesley Harding percebemos que é preciso pouco para se fazer muito e bem. Bastam boas ideias, bons textos, guitarra, baixo, bateria, umas notas de piano aqui e ali, harmónica e voz. Assunto encerrado.
“All Along The Watchtower” talvez seja o tema mais conhecido do álbum, mas outros merecem, quiçá, o mesmo ou até maior destaque. Saiu como single, assim como “Drifter’s Escape”, mas o nosso coração descai mais para “The Ballad of Frankie Lee and Judas Priest” ou “Down Along the Cove”, a fazer lembrar, sobretudo no início, temas e ritmos da Jovem Guarda brasileira. Destaque ainda para a derradeira “I’ll Be Your Baby Tonight”, bonita e singela, sonhadora até. Por outro lado, e a bem da verdade, John Wesley Harding vale pelo conjunto bem uno dos sons e dos temas que apresenta, em número de doze, durante cerca de trinta e oito minutos e meio.
Nota final para a capa, uma simples (but not that simple, by the way) polaroid tirada por John Berg. Nela aparecem quatro homens. Dylan, os irmãos Luxman e Purna Das (músicos e gurus indianos), assim como Charlie Joy, um carpinteiro amigo de Albert Grossman, empresário de Bob Dylan. Tudo muito simples, aparentemente. No entanto, a capa tornou-se das mais icónicas de sempre, uma vez que se a virarmos ao contrário, poderemos ver, no tronco da árvore, as caras dos Beatles. Sim, é verdade. Basta procurar um pouco. Terá sido uma resposta ao facto de os quatro de Liverpool terem colocado o rosto de Bob Dylan na capa de Sgt. Pepper’s? Mais ainda: se se continuar a virar a capa do disco, há quem nela encontre outras caras ainda, sendo que afiançam, algumas mentes mais criativas, digamos assim, poder encontrar-se o rosto de Deus, imaginem só! Enfim, sempre poderão entreter-se com tudo isto, enquanto vão lendo esta e outras páginas do Especial Bob Dylan, aqui no Altamont.